Conceição Evaristo: Bendizendo a juventude que nos acolhe
Por Conceição Evaristo
Há de se bendizer a juventude e a infância e por que não a maturidade do tempo em nós? Há de se bendizer a vida. Mas há de se lamentar a morte prematura de tantas crianças e jovens podados em seu direito de viver. Há de se deplorar a não condição de vida, o tempo sem horizontes, o futuro escrito no vazio que vem ameaçando nossas gerações futuras. Há de se reivindicar a vida em cada morte acontecida por balas que erram o alvo, pelo descuido da saúde pública, pela dor, pelo desejo de não viver…
Creio que, se nascemos, o nosso destino é viver. E, se for para viver, viveremos! Não tombemos! Por isso, Dorvi, personagem de um dos contos de minha autoria, mesmo por caminhos perigosos, buscava construir a sua vida. Cercado pelo perigo da morte, em que ele poderia ser vítima e algoz, fizera um juramento junto ao seu grupo e repetia sempre: “A gente combinamos de não morrer”.
E já que fizemos um trato com a vida, o meu canto hoje é uma celebração da velhice. Sim à velhice. Palavra e estágio de vida que para muitos têm sentido pejorativo. Fulano é um velho, fulana é uma velha… Afirmo, porém, que a velhice pode ser um dos melhores estágios da vida de uma pessoa. Tempo de gratidão ao tempo por nos permitir uma longa vitalidade. Esse tempo é o meu. Aliás, não só a minha vida está sendo guardada pelo tempo, mas a de minha mãe, a velha Joana Josefina Evaristo Vitorino, nos seus quase cem. Em 23 de outubro de 1922 (Semana da Arte Moderna) nasceu, no interior de Minas, aquela que se tornaria a minha mãe e de meus oito irmãos.
Apesar da morte fabricada que sempre nos ronda, do perigo que nos vigia em cada esquina, da traição da vida em cada corpo abortado, mesmo depois de nascido, é possível a celebração de quem vive o tempo da longevidade. Portanto o meu canto para nossas velhas e velhos que significam modos de resistência, de teimosia, de resiliência em termos individuais e coletivos.
Saúdo aqui as velhas-guardas das escolas de samba, da ala das baianas, as mães e pais de santos das casas de Axé, as rainhas e reis das Congadas, as senhoras, bem senhoras, líderes de muitos folguedos por esse Brasil afora. Às vovós e aos vovôs, peço bênçãos e sigo bendizendo a vida.
Repito aqui o que tenho dito sempre: a minha vitalidade de 72 anos, aguardando novembro para marcar os meus 73, tem sido alimentada por uma juventude que me acolhe. Pessoas mais velhas precisam do “colinho” das mais novas. As histórias que temos para contar pedem ouvintes atentos. Não nos deixem falar a esmo. Oferecemos as nossas palavras, cuidem vocês de nossos tesouros. Um dia vocês serão nós. O ciclo vital é uma cadeia em constante renovação de quem veio antes, de quem aí está e dos entes que virão na continuidade e na renovação dos tempos.