Quadro-negro, essa lousa

Há um ditado iorubá que começa dizendo que metade das respostas para tudo nesta vida está dentro de nós. Há algo sobre mim, que me apresento agora a você, leitor, muito prazer, que explica a existência do projeto Quadro-negro.

Sou filho do orixá Oxalufã. Mas, toda vez que escrevo seu nome, o corretor automático do editor de texto grifa a palavra de vermelho. Diz que não está correta. Que não existe. Que não é bem-vinda.

É isso. Segundo as normas de correção, automáticas e automatizadas, não posso sequer escrever o nome de meu pai.

A existência do Quadro-negro é, portanto, resistência estrutural. O Brasil é um país afrodescendente cuja narrativa é, definitivamente, contada por quem não quer ver-se como tal.

Quem concluiu isso (que para afrodescendentes brasileiros sempre foi escandalosa obviedade) foram dois amigos pessoais, brancos e estrangeiros. Em 1993, Kurt Cobain, da banda de rock Nirvana, me disse, entre um cigarro e outro nos bastidores do festival Hollywood Rock, estar chocado com a falta de negros nas plateias de seus shows no Brasil. “Pensei que aqui não fosse como nos EUA”, disse.

Caminhando pelas ladeiras do bairro de Södermalm, na Suécia, em 2014, após a exibição de meu primeiro longa-metragem no Festival BrasilCine de Estocolmo, meu amigo Alex Pflucker externou sua surpresa por ser eu o único diretor negro de um festival só de filmes brasileiros. “O Brasil não me parece distribuir bem suas oportunidades de visibilidade.”

No Quadro-negro, quem concluirá não serão brancos nem estrangeiros. Poetas, policiais, dentistas, juízes, gerentes financeiros, historiadores, engenheiros, desportistas afrodescendentes serão os donos da narrativa. Textos escritos por gente preta. Terreiro cheio de convidados. Neste ilê, nesta gira, cabe tudo o que sistematicamente é invisibilizado.

Estreamos com nossa maior escritora viva: Conceição Evaristo, em um artigo escrito especialmente para o Quadro-negro. Seguimos com estreias. Rincón Sapiência, o bardo/ogã desta nova geração brasileira de negros acesos, escreverá os primeiros artigos de sua carreira para este projeto. E muito-mais-gente. Construção. Reontologização. Espaço civilizatório de pertencimento ancestral. Isso será o Quadro-negro. Essa lousa.

Porque o restante do citado ditado em iorubá diz que a outra metade das repostas para tudo na vida está é no outro.