Existem negros racistas com negros?
Quentin Tarantino, em seu “Django Livre”, de 2013, criou um dos vilões mais memoráveis da história do cinema. Interpretado por Samuel L. Jackson, o personagem negro Stephen é o administrador de uma fazenda de escravos. Um negro que odeia negros.
“O personagem negro mais desprezível da história do cinema”, segundo o próprio ator, Stephen ordena torturas e punições para escravos de sua própria raça. Passa o filme repetindo coisas como “negros não se cansam de se vitimizar”.
Stephen é considerado um negro racista. Mas existem negros racistas?
Não. O que existe são negros que reproduzem discursos racistas. O que, de toda forma, é crime.
Que, desde crianças, foram ensinados, como todos nós, de todas as cores, de que a raça negra é inferior. “Vitimista” . “Mimizenta”.
Crianças que, quando depararam-se pela primeira vez com a definição de “negro” em um dicionário, leram que a palavra, segundo a língua dos brancos, quer dizer “escuridão”, “trevas”, “sombrio”, “soturno”, “carregado”, “melancólico”, “tenebroso”.
Nos ensinaram a sermos racistas, a não perceber nosso racismo e a convencermo-nos que, por exemplo, brincar de chamar de “macaco” entre pares, no cotidiano, não configura racismo. Não perpetua uma ideia que inferioriza uma raça e avaliza separatismos, inviabilizações e genocídios.
Para não ser o racista que desde criança nos ensinam a ser, é necessário disposição para autocrítica. É preciso olhar para si. É preciso colocar-se no lugar do outro. É preciso força.
Seres humanos fracos recentemente se manifestaram nos comentários do Quadro-negro e nas redes sociais da Folha de São Paulo criticando a cineasta Sabrina Fidalgo que, em artigo para o blog, observou que o Brasil é um dos países mais racistas do mundo.
Adivinha do que a acusaram? Vitimismo, claro.
Seres humanos fracos também se manifestaram quando souberam que uma outra Sabrina, a participante do reality show “A Fazenda”, foi chamada de “macaca” por um funcionário negro. Como se a cor do criminoso (racismo é crime) fizesse alguma diferença.
O que aconteceu no reality show da Record guarda semelhança com a cena na qual “o negro racista” do filme “Django Livre”, vê o personagem principal, também negro, chegar à fazenda do filme bem vestido e montado a cavalo. “Um crioulo montado em um cavalo? Isso é um acinte!”, esbraveja o vilão.
Dentre estes seres humanos que andam achando um acinte as vozes que emergem do Quadro-negro, há também muitos… negros.
Negros reclamando, por exemplo, do “mimimi” de seus irmãos.
Sem perceber que ao reclamar estão eles próprios praticando o “mimimi” que condenam.
Sem perceber que os “mimizentos”, na prática, são eles.
E sem perceber que estão reproduzindo discursos racistas.
Sem ter coragem de rever-se. De melhorar como pessoa no mundo.
O racismo existe. E tem, sobretudo, função econômica.
Mas ele só existe, como qualquer outro crime, porque somos fracos.
E a fraqueza, essa não tem cor.