Watchmen: O racismo como vilão e a sexualidade reprimida do Batman

Alerta de spoilers inomináveis a seguir. Não se assuste.

Watchmen, a nova série dramática da HBO.

Cena 1: Um super-herói negro está fazendo sexo com um personagem que lembra o Batman que, passivo, de bunda para cima, sorri satisfeito. Em seguida, os dois descansam na cama e fazem planos para o futuro do supergrupo, como a famosa Liga da Justiça.

Cena 2: Sem o uniforme, o mesmo super-herói negro descobre um grupo de racistas brancos com um plano maligno contra negros. Telefona para o Batman. Pede ajuda para a Liga da Justiça. Eles avisam que não vão ajudar. Que não se metem nesses assuntos de racismo.

Na cultura pop, a história dos super-heróis remonta à 1917. Também, claro, a dos super-vilões. Milhares de vilões foram criados para encarnar o mal. Nenhum deles racista. Até a estreia de Watchmen, em 2019, para roteiristas racismo nunca foi um mal suficiente que justificasse a criação de um supervilão.

Considerado o maior escritor de quadrinhos vivo, o inglês Alan Moore, branco, disse em janeiro de 2017 à Folha de São Paulo:

“À exceção de uma pequena minoria, histórias de super heróis são sonhos dos suprematismo racial branco.”

Alan Moore é autor do original Watchmen, hoje considerada a grande obra da história dos gibis adultos, escrita e publicada pela DC comics na metade dos anos 80.

Época em que, ingênuos, ainda acreditávamos que o maior perigo que o mundo corria era o de uma guerra nuclear.

Agora ambientada no presente, em 2019, qual seria o maior perigo que a terra correria? Qual é o maior mal do mundo, hoje?

Segundo Damon Lindelof, autor da nova empreitada da HBO, o maior perigo do mundo, hoje, é justamente o sonho do suprematismo racial branco.

Lindelof é judeu. Já foi responsável por uma série de TV que falava sobretudo da moral judaica. A série chamava-se LOST e mais uma vez remontava, como professa a misná judaica, a história de um povo perdido. Ao invés do deserto e a terra prometida, uma ilha e a terra à vista.

Lindelof é também americano. O judeu americano é um dos alvos principais dos supremacistas brancos. O outro alvo é o negro americano. Os supremacistas brancos americanos são aliados do atual e transitório presidente Donald Trump.

Watchmen, a série de TV, é ambientada nos EUA e conta a história de negros, vietnamitas e gays que resolvem caçar um grupo de racistas brancos, uma Ku Klux Klan moderna, com jeito de milícia que persegue bons policiais, inspirada por Rorschach, o personagem fascista dos quadrinhos originais de Alan Moore.

O grande herói de Moore é o escritor americano H.P. Lovecraft (1890-1937), branco, racista, anti-semita, homofóbico, de vida sexual reprimida e hoje, quase 100 anos após sua morte, uma das figuras mais influentes da cultura pop.

Da série Stranger Things ao filme Birdbox, os contos de terror de Lovecraft inspiraram quase tudo o que vemos hoje. Inclusive o Watchmen dos quadrinhos. O mais recente trabalho de Alan Moore é a obra-prima Providence, que insinua que o próprio Lovecraft seria o arauto de um novo mundo ainda por vir, onde horrores inomináveis já não mais nos assustariam.

Batman é um personagem muito popular com homens porque sacia a homosexualidade reprimida do leitor. Homens são inseguros, por isso gostam de ver um herói branco, rico e musculoso combater o crime e transformar essa luta em, mais do que uma bandeira, sua própria sexualidade. Quem é carioca e já cruzou com milicianos, cujo símbolo é o logotipo do homem-morcego, facilmente percebe a questão da sexualidade mal resolvida dos justiceiros.

Watchmen é, desde os quadrinhos dos anos 80, sobre a desconstrução do herói encapuzado. Por isso temos, na série de TV de 2019, uma protagonista heroína negra, não hipersexualizada. A Sister Night da atriz Regina Kang desce a porrada nos fascistas e usa o cérebro para desvendar uma trama lovcraftiana, onde tudo é tão inominável que não mais nos assusta.

Voltemos aos inomináveis spoilers.

Ontem foi exibido em todo o mundo “Este ser extraordinário”, sexto dos dez episódios que a série terá. Fomos apresentados ao primeiro encapuzado da História dos Heróis. Ele se chama Justiça Encapuzada, é policial, negro, forte, atraente, gay, come o Batman de vez em quando, e hoje, em 2019, tem um plano para dar um fim de vez a todos os racistas do planeta.

Fãs do Batman devem ter tido faniquitos.

Porque a verdade lovecraftiana é que são todos sexualmente reprimidos.

No fundo, todos tão encapuzados quanto seu herói favorito.