Apenas o voto pode evitar tragédias como a de Paraisópolis
Nove jovens mortos em Paraisópolis, São Paulo. A maioria, preta. Ou tão pobres que vistos pela sociedade como pretos.
Nove famílias que somam-se às de Ágatha, assassinada no Complexo do Alemão, dos 5 meninos mortos com 111 tiros em Costa Barros, (ambos no Rio de Janeiro) e uma fila sem fim de casos pelo Brasil e pelas décadas de nossa história que envolvem policiais militares.
As famílias das vítimas não têm, no fundo, a quem recorrer. Corregedorias só são verdadeiramente rigorosas nos raríssimos casos em que há brancos não pobres envolvidos. Uma parte da opinião pública, inclusive de pobres, de moradores de comunidades, julga jovens pretos, especialmente funkeiros, como bandidos, vidas que não valem e que “se for, já foram tarde”.
Como, então, impedir estas tragédias? Como deter essa necropolítica, projeto conservador que tem como objetivo exterminar uma raça e uma classe social à guisa de prover segurança aos privilegiados e garantir a circulação do dinheiro, o funcionamento do neoliberalismo?
Com o voto.
Só em Paraisópolis vivem 100 mil pessoas. Assumindo que 50 mil são eleitores aptos a votar, e que este número de votos elege um vereador, alguém que de fato os represente na câmara, que possa combater esta necropolítica, pode-se também concluir que três comunidades pobres de SP, se unidas, podem eleger um deputado estadual. Até mesmo e um federal.
Olha-se para a configuração atual do executivo e legislativo das grandes cidades e o que se vê são, ao invés de representantes das vítimas pretas e pobres da necropolítica eugenista conservadora, adeptos dela.
Que chegaram aonde estão por ele, o voto.
Nas últimas eleições, Paraisópolis elegeu, para legislativo e executivo, do prefeito ao presidente, candidatos que defendiam uma política que tem como consequência prática o extermínio da população de comunidades como a própria Paraisópolis.
O mesmo aconteceu com os eleitores do Complexo do Alemão e de Costa Barros, no Rio de Janeiro. Eleger quem quer que você suma do mapa. Deu no que deu. Em um ano de mandato, nas duas cidades, não cessam de serem batidos os recordes de assassinatos de pretos e pobres, com envolvimento da polícia militar, anuência do legislativo e judiciário e o aplauso da opinião pública conservadora.
No dia em que as comunidades pobres do brasil entenderem que seus votos devem ser dados para quem for contra o extermínio dos seus, o jogo vira.
No dia em que as famílias dos negros assassinados pela polícia não votarem em candidato que defende uma política de segurança pública excludente, que serve apenas para quem não é pobre e negro, o jogo vira.
No “Baile da 17” de Paraisópolis havia milhares de meninos parecidos com os que morreram. Mesma idade e gosto. Fisicamente também parecidos. Estes meninos, a quem podemos chamar de sobreviventes de mais uma ação da política de segurança conservadora, ainda estão na mira deste projeto.
Todos os dias estão na mira. Por terem a mesma idade, gosto e, principalmente, serem fisicamente parecidos.
Mas, um dia, estes meninos, estes sobreviventes, tão semelhantes aos que morreram ontem, irão se tornar eleitores ativos.
Se usarem o voto, esta arma mais potente que qualquer arma de fogo, porque neutraliza assassinos sem derramar sangue de ninguém, o jogo vira.
No dia em que pretos pararem de votar em quem diz que eles, quando reivindicam igualdade de direitos, praticam “vitimismo”, o jogo vira.
O dia em que pretos e pobres pararem de votar em quem chama de “mimimi” a dor de ser exterminado, através dos séculos, por instituições como as nossas polícias militares, que foram originalmente criadas para manter em seu lugar os que estão na base da pirâmide, o jogo vira.
Até lá, o assassinato de meninos pretos pobres funkeiros, meninas pretas pobres de 8 anos de idade e garotos pretos pobres num carro na periferia são apenas lances de um jogo.
Um jogo que teima em não virar, reconhece o historiador Luis Antônio Simas, branco, que escreve: “O problema da PM não é ter dado errado. É até hoje ter dado certo (…) a missão que justifica a corporação, inscrita em sua história, é defender o status quo a partir do monopólio da violência, prioritariamente voltada contra os mesmos pretos e pobres dos tempos do Império.”
Desde os tempos do Império.
Se nos tempos do Império não podia-se votar, agora pode-se.
Que então cumpra-se.
Cumpra-se o destino do voto.
Cumpra-se o destino da democracia.
Cumpra-se a virada.