Perspectivas do negro na área do design
Desde o início da existência do projeto Quadro-negro, verifica-se entre os convidados certa tendência temática: a maioria dos artigos versa sobre arte e cultura. Mas, da mesma forma que já contamos com textos escritos por dentistas negros, estamos começando a ocupar espaços tradicionalmente a nós vedado. Isabela de Oliveira é designer e, se você não a conhece, certamente conhece o seu trabalho. Na sua casa há alguma peça de roupa com estampas e padrões que ela ajudou a criar. Com quase 7 anos de carreira, já passou conceituadas marcas, nacionais e multinacionais, de moda feminina. É uma das raras pretas em sua área. Para chegar lá, foi necessário um salto de fé. É sobre este salto, e esta fé, o artigo que escreveu exclusivamente para o Quadro-negro.
Perspectivas do negro na área do design – Por Isabela de Oliveira.
Sou uma das poucas designers pretas brasileiras que conheço.
Quando pequena, um dos meus sonhos, talvez o maior, era ser desenhista.
Não porque eu tivesse visto alguém fazendo isso. E antes mesmo de entender o conceito de profissão.
Sonhava porque era o que eu mais gostava de fazer.
Filha de pais pretos que subiram na vida às custas de muito suor e que me deram uma vida de privilégios que só fui entender depois de crescida.
Na graduação em design, se conheci dez colegas negros, foi muito. Na academia, só fui perceber essa discrepância após ler o livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. Com ele me racializei.
Me percebi negra. Por mais que o meu pai sempre ressaltasse o quanto éramos raros nos restaurantes, museus e tantos outros lugares que frequentávamos, eu não havia atinado para a gravidade daquilo tudo.
Para o que acabei entendendo como consequência direta e cruel de um sistema que só concebia a existência do povo preto como subalterno, “indigno”, “sujo”, “pecaminoso”, como doutrinam antigos livros História.
Entendi a raiz e conceito de dívida histórica. A necessidade e urgência de políticas públicas que nos dêem a chance de simplesmente existir, viver com prazer e ocupar espaços até então inimagináveis, especialmente profissões onde não se imagina negros em exercício.
Meu pai ficou preocupadíssimo quando informei que faria faculdade de Moda. Esperava ouvir que eu anunciasse interesse em concurso público, ou em alguma profissão que envolvesse, por exemplo, algo como segurança financeira, ou qualquer outro termo que possa dar paz ao coração de um pai que lutou para conseguir dar às filhas uma vida melhor do que a que ele teve quando jovem.
Meu querido pai deve ter esquecido que me criou para não ter medo de ousar fazer uma coisa diferente e que se for para ter vergonha, que seja de fazer coisa errada.
Então saltei. Fui ser designer. E sou. Das boas, eu diria. Meu pai morre de orgulho.
O tempo de termos medo de arriscar acabou. Temos um sistema universitário que vem, até agora, resistindo aos cortes do atual governo e formando mais designers negros.
Em breve, os encontrarei nos corredores do trabalho, na chefia de revistas de moda, arquitetura, design.
Com fé, não irá demorar para encontrá-los até na bibliografia básica das faculdades destas áreas.
Com fé, chegará o dia em que não precisarei parar para fazer uma lista de 10 designers negros.
Que jovens negras possam, sem medo, sonhar com o que gostem de fazer. Desenhistas, astronautas, advogadas ou médicas. Jovens cheias de referências de mulheres pretas nestas áreas e colegas de turma idem.
Que seus pais não fiquem receosos porque já vão saber que vai tudo dar certo, que vão lembrar que estamos no mundo para desbravá-lo e conquista-lo.
Que seus pais tenham fé em seus saltos.
Isabela de Oliveira é designer e estilista.