Nem diversidade salvou nova trilogia Star Wars

Em 1978 eu e outras crianças amigas do colégio fomos em grupo assistir ao primeiro Star Wars no Lido, cinema de rua na praia do Flamengo, Rio de Janeiro.

O filme era proibido pela censura, mas a avó de uma das crianças era juíza e, burlando a lei, garantiu, com uma carteirada, a entrada do netinho e seus amiguinhos.

Estávamos no tempo da corrupta ditadura militar.

O filme tinha muito de luta contra o regime que vivíamos. Heróis rebeldes de cabelos mal desleixados, aliados a princesas feministas lutando contra um império. O governador Tarkin de Peter Cushing e seu então lacaio Darth Vader tomavam conta de uma Estrela da Morte implacavelmente limpa e asseada.

George Lucas, da turma de jovens cineastas judeus de esquerda que iria revolucionar a indústria do entretenimento, fez de sua trilogia, que contém O Império Contra Ataca (1980), dirigido por seu ex-professor de cinema, e mestre em fluxo visual, Irvin Kershner, e O Retorno de Jedi (1983), uma propaganda anti-nazista.

Embora com apenas heróis brancos nos papéis principais, e com certo preconceito contra a cultura árabe (o vilão Jabba é inspirado no personagem Signor Ferrari, do clássico em preto e branco Casablanca, de 1942, e sua turma de “degenerados”, os marroquinos que imigravam para a Europa) a trilogia original falava muito, e ao seu jeito, de diversidade.

Então, em 1999, estreia a trilogia que conta a história de Anakin Skywalker, que iria tornar-se o maior vilão da história da cultura pop. Quando A Ameaça Fantasma estreou, demorou-se um ano até aceitarmos que o filme era péssimo. Também inebriados pelo hype, demoramos, três anos depois, para parar de vibrar com a cena de Yoda lutando com sabre de luz em O Ataque dos Clones (2002).

Quando em 2005 o último capítulo da malfadada trilogia estreou, já estávamos com os pés no chão. Logo após A Vingança dos Sith, quase salvo pelos desempenhos e personagens de Ewan Mcgregor e Samuel L. Jackson, cancelamos toda a trilogia.

A tal da cultura do cancelamento é fenômeno antigo.

Agora está na hora de desapegarmos da terceira trilogia. Em 2014, um ano antes da estreia do novo trio de filmes da franquia, choramos quando vimos a primeira foto dos atores Mark Hammil, Harisson Ford e Carrie Fischer reunidos em uma sala de roteiro.

Vibramos quando vimos uma heroína que mostrava que não precisava de homem para se virar, e um personagem negro que sugeria um romance com um piloto de caça. Demoramos para entender que O Despertar da Força (2015) era apenas um remake de Uma Nova Esperança.

Já Os Últimos Jedi (2017), a disruptiva criação de Rian Johnson, foi muito mal recebido pelos fãs conservadores. Star Wars conheceu a internet, que entre coisas positivas, também despertou o nazista em cada um de nós. Atrizes tiveram que desativar contar em redes sociais, tal era o ódio produzido pelo grupo de fãs contrariados.

Então, J.J. Abrams resolveu ceder ao público engajado de internet. Imagina-se que seja a primeira vez que o tenha feito, pois só isso explica, por exemplo, o roteiro sem imaginação, a direção sem alma e a montagem bagunçada de A Ascensão Skywalker, cujo o primeiro ato parece ele inteiro um trailer interminável.

No filme que estreia hoje nos cinemas de todo o planeta, lá se foi, inclusive, a tal da diversidade.

Alerta de spoilers.

A personagem feminina ganhou par romântico e o personagem negro que tinha uma química danada com seu parceiro piloto tornou-se um esquerdomacho que resolve procurar suas raízes. Um beijo ao fundo, muito rápido, de duas figurantes mulheres, apenas torna tudo mais forçado, vexatório.

Na sessão da meia-noite, uma cena levou os espectadores ao desespero: “Não!” gritaram em choque e vergonha. Você saberá de que cena está-se falando quando a hora dela chegar. Aviso: desvê-la é, infelizmente, impossível. Ao final da projeção. Vaias.

Vaias que não ouvi em quase quarenta anos frequentando filmes da franquia no cinema.

E assim terminou mais uma tentativa de repetir o sucesso da trilogia original, iniciada em 1977.

O melhor é fazer o que foi feito com a trilogia de Anakin. A iniciada em 1999. Esquecê-la. Não considerá-la cânone. Ficar só com os três filmes originais.

Mesmo com mulheres independentes nos papéis principais nesta leva. Mesmo com negros em papéis de destaque nesta leva.

A personagem Rey, no fim das contas, era de uma família importante. Não uma qualquer. A mensagem não é mais “ei, você, quem quer que seja, onde tenha nascido: você também tem a Força”. É viva a realeza. A elite. Esqueça a cena dos meninos favelados brincando ao final de Os Últimos Jedi. A Força volta a não ser para todos.

O personagem Finn, defendido pelo sempre intenso John Boyega, é talvez um dos personagens mais esquecíveis da franquia. Lidemos com isso e bola pra frente.

Diversidade não dá salvo conduto a ninguém.

E os problemas aqui, agora, nessa galáxia nada distante, são outros.

As ditaduras são hoje dos fãs, dos likes, dos cliques, dos cinemas de Shopping e dos baldes de pipoca personalizados.

Os tempos mudam.

Hoje, os fãs são os maiores vilões da saga Star Wars.