Movimento Policiais Antifascismo defende desmilitarização da segurança pública
Semana passada viralizou a história dos meninos que jogavam bola no meio de uma rua pobre no Maranhão e que, ao terem sua bola confiscada por um vizinho, foram prestar queixa na delegacia. Foram pedir socorro ao Estado. O Brasil não precisa de menos Estado, nem de menos polícia. O que precisa é de um Estado e polícia que não exista com o único objetivo de proteger ricos. As polícias militares no país nasceram oficialmente com este propósito. Na polícia civil, nasceu recentemente o movimento Policiais Antifascismo, grupo de esquerda formado por muitos negros. Porque muitos negros é o que há entre policiais. Policiais são, também, pretos e pobres, e se colocam em conflito com a população marginalizada, também preta e pobre. Mata-se e morre dos dois lados. Mas a cor da pele de quem morre é uma só. E assim dá-se o genocídio de uma raça. Sob os auspícios do fascismo. O policial Kleber Rosa, integra o corpo da polícia civil da Bahia, estado onde há mais negros no Brasil. Escreve para o quadro-negro a história e os dilemas de um movimento que pretende ampliar o debate sobre a segurança pública no Brasil.
Nós, policiais antifascistas – Por Kleber Rosa
Em agosto de 2009, em Salvador, reunimos um grupo de policiais de esquerda com vivências em movimentos sociais, e iniciamos a organização do Coletivo Sindical Sankofa, com o objetivo inicial de se organizar para disputar as eleições do Sindicado dos Policia Civis da Bahia.
O grupo passou a promover debates e eventos sobre modelo de segurança pública, desmilitarização, carreira única e ciclo completo, mas também a se posicionar sobre temas mais melindrosos para boa parte dos policiais e de setores mais conservadores da sociedade como genocídio da juventude negra, luta anti proibicionista, o punitivismo no direito penal dentre outros.
Nessa caminhada conhecemos o Delegado da Policia Civil do Rio de Janeiro Orlando Zaccone, na época ativista da Associação dos Agentes da Lei Contra a Proibição das drogas e autor dos livros “Acionistas do Nada – Quem são os traficantes de droga” (Editora Revan) e “Indignos de vida – A Forma Jurídica da Política de Extermínio de Inimigos na Cidade do Rio de Janeiro” (Idem). Desse encontro, em 2015, iniciou-se uma articulação entre policiais de diversos estados brasileiros que fez, finalmente, surgir o Movimento dos Policiais Antifascismo.
Após longo período de dialogo, articulação e discussão, pelas redes sociais, sobre o formato e posição política do movimento, nos reunimos em 2017 no Rio de Janeiro no I Seminário Nacional dos Policiais Antifascismo, quando definimos o que seria o movimento, como nos organizar, quem poderia participar e quais posições políticas a tomar e propostas a se elaborar para combater o fascismo no Brasil.
Definimos, então, que somos um campo de atuação política, não institucionalizada e suprapartidária, formado por trabalhadoras e trabalhadores do sistema de segurança pública, representados por policiais civis e militares estaduais e federais, bombeiros, guardas municipais, agentes penitenciários e do sistema socioeducativo.
Entendemos que o fascismo é um modo de vida, que se manifesta como reação violenta de ódio às diferenças. Ele acredita na guerra, nas armas e no sistema penal como solução para problemas sociais, esvaziando as ações políticas que efetivamente podem realizar transformações.
Defendemos que policiais devem ser construídos como trabalhadores. O reconhecimento do direito de greve, de livre associação, de livre filiação partidária, bem como o fim das prisões administrativas, são marcos nesta luta contra a condição de sub-cidadania a qual muitos policiais estão submetidos.
Não aceitamos a política de “guerra as drogas”.
Não estamos em guerra.
Qualquer tentativa midiático-policial de construir tal discurso como política pública, tem por objetivo legitimar as políticas racistas promovidas pelo Estado contra a população negra, pobre e periférica de nosso país. Tal política belicista acaba também por vitimar policiais, que operam na base das corporações do sistema de segurança, recrutados nos mesmos estratos sociais daqueles que são construídos como os seus “inimigos”.
É preciso por fim às políticas de proibição das drogas, que têm servido como dispositivo da militarização da segurança, sob o falso argumento de proteção à saúde pública. As ações militares contra o comércio das drogas feitas ilícitas acabam por gerar um quadro de destruição e de dor, principalmente ao redor de populações negras.
A proibição das drogas mata mais do que o consumo das drogas, revelando assim a irracionalidade deste modelo proibicionista.
A desmilitarização da segurança pública se coloca como uma pauta urgente. Somos contra a participação das Forças Armadas em ações de segurança e defendemos a desvinculação das polícias militares estaduais como forças auxiliares do Exército. Precisamos fazer o debate sobre a reestruturação das forças policiais em nosso país, abrir um diálogo horizontal entre todas as nossas categorias.
Entendemos, por fim, que estas pautas e reivindicações atendem aos interesses das classes policiais trabalhadoras, bem como aos anseios de todos os setores progressistas da sociedade, que desejam e lutam por uma vida não fascista em uma sociedade justa e igualitária.
Kleber Rosa é Cientista social, investigador da Polícia Civil do Estado da Bahia e mestrando em Educação pela UNEB.