Demissão de Alvim foi queima de arquivo
Negros todos os dias sentem o ultraje que especialmente judeus sentiram com o teatro nazista performado por nosso ex-secretário de Cultura na semana passada.
Quando em novembro último notamos que Sergio Camargo, negro chamado para presidir a Fundação Palmares, comportava-se de forma semelhante a um judeu nazista, ouvimos que estávamos praticando vitimismo.
Que estávamos exagerando.
Não recuamos. Levou dias, mas o o sujeito não assumiu o cargo.
Camargo caiu de forma mais lenta que Roberto Alvim porque ofendeu “apenas” negros. Não há negros na chefia do Mercado, entidade que financia e avaliza governos. A negros brasileiros não foi permitido acesso ao poder. Com insulto a negros, a reação de nossa sociedade, quando há, é mais lenta.
Mas há alguns judeus na parte alta da pirâmide, e com ela não se brinca. Ela não recua. Ela elegeu Bolsonaro. Ele é seu servo adestrado. Cumpriu o que lhe ordenaram.
E o ex-secretário de Cultura, por sua vez, é mero porta-voz da ideologia do governo, que no momento serve muito bem ao Establishment (assim, em inglês mesmo, dito com aquele biquinho grotesco de Donald Trump, porque é dos Estados Unidos da América que essa ideologia vem).
A demissão de Roberto Alvim foi executada por Bolsonaro por gente de cima.
Queima de arquivo.
Por isso, não recuamos. A luta continua.
Vai-se querer amainar ânimos com uma Regina Duarte (ou equivalente) e a restauração do fundamental Ministério da Cultura. Vai ter gente convicta de o pior já passou.
Vai ter gente recuando.
Mais uma vez tornando invisível o ultraje diário que vive o povo preto desse país.
Gente do “ninguém larga a mão de ninguém”, aproveitando a proximidade do carnaval para largar a nossa. E por “nossa”, inclua-se aí nordestinos, mulheres, LGBTQIs e pobres. E ainda mais nordestinos pretos, mulheres pretas, LGBTQIs pretas e pobres pretos.
E índios. Que, segundo o presidente, vivem “pré-históricos em suas terras”.
Ufa.
Parece até que está-se falando aqui de um país divido em dois, não é?
Parece inclusive que esta divisão se estrutura culturalmente, certo?
“Há coisas que não só parecem” – diz um ditado iorubá.
Parece esta polarização começou há pouco tempo, não é?
Não. Para todos os grupos citados acima, esse país chamado Brasil sempre foi polarizado.
Desde o século XV um país de extremistas genocidas.
Há um outro ditado iorubá que diz: “Há coisas que só parecem quando acontecem a você”.
Com a saída de Roberto Alvim, a questão da eugenia brasileira parece ter obtido alguma vitória.
Mas há coisas que só parecem.
E há coisa que só parecem quando acontecem a você.