No BBB, não basta ser preto para ser negro

Em 2005, trabalhei na edição 5 do BBB. A que ganhou Jean Wyllys. A que Grazi Masafera sagrou-se vice campeã. A que os dois, acompanhados da pernambucana Pink, foram perseguidos por uma turma que hoje, chamaríamos de “turma de direita”. Liderados pelo célebre Doutor Gê, louro, sarado e de seu fiel escudeiro P.A, preto cheio de conceitos à respeito da homossexualidade de Jean.

Hoje, diríamos que durante a permanência na casa, Dr. Gê teria “tokienizado” P.A. Coisa muito parecida que foi feita na edição desse ano com Babu. Parecida, mas não igual. Enquanto homens haviam na casa, Babu se viu entre escolher ser mais negro ou mais homem. Para pertencer, fez sua escolha. Quando sua negritude falava mais alto, seus amigos brancos, como fossem patrões, logo o silenciavam. Vimos isso principalmente acontecer com Felipe Prior, maior beneficiado da presença de Babu na casa.

É o que homens fazem. Se fecham, forma grupo, independente de cor. Esta semana uma palestra de Babu à respeito da palavra “negro” viralizou fora da casa. Ele não teria se sentido à vontade para ter uma conversa sobre isso com seus amigos homens. Sobrava, então, falar de Futebol.

Foi então que outras personalidades passaram também a tolkienizar Babu Santana. O povo do futebol. E não está se falando apenas do futebol o esporte aqui. Está se falando do universo do futebol. Neymar, Gabigol, negros que não querem se ver nem serem vistos como negros, e Gabriel Medina tolkienizaram Babu, enquanto torcida do branco da dupla, Felipe Prior. Quando um dos heróis políticos de Medina, o deputado Eduardo Bolsonaro, também entrou na torcida, temeu-se que Babu pudesse, socorro, se transformado no deputado Helio Negão.

Mas Babu é mais que isso. E em 2020, dentro do BBB, universo do futebol, representante do patriarcado, ainda que Babu seja indefectivelmente chamado de “paizão”, finalmente foi menor do que o universo das mulheres. E quando restaram apenas elas no reality show da Globo, Babu pôde, enfim, ser apenas ele. Tornou-se favorito ao prêmio. Pode ser o primeiro negro a ganhar o programa.

Ou não. Jean Willys é negro. Cida, vencedora do BBB 4, é negra. Mara ganhadora do BBB 6, também. O que faz de Babu, aos olhos do público em geral, ser mais negro do que estes?

E o mais importante, repare que não falamos até agora no nome de Thelma aqui. A participante, inclusive mais preta do que Babu, Jean, Cida e Mara, já foi, por um momento, a favorita. Defeitos, não exibiu. Como escreveu Emicida, chorou ela, e não suas cicatrizes. Hoje, a Babu foi oferecido por um empresário branco, o carro que ontem ele perdeu na última prova do líder. Babu nunca pediria um carro a um empresário branco.

Um meme delicioso se espalhou esta semana, a de Babu acordando ao som de James Brown. Levantando e dançando. Ele sabe que seu gosto musical é um ato político. Mas se tivesse acordado e dançado ao som do grupo britânico, de forte acento gótico anglo-saxão, haveria comoção? Respeito por suas escolhas afetivas? Prince, antes de morrer, declarou que sua obra era toda inspirada nos Cocteau Twins. E que uma de suas frustrações era não ter ainda sinalizado publicamente isso.

Uma das grandes dificuldades do racismo é a ideia de que ser anti-racista é prestar assistência a negros, desde que nós preenchamos os quesitos que eles, brancos, exigem para que nos enxerguem como negros. Thelma não os preenche. Nem para a própria militância negra, que assim, sem querer, reproduz racismo contra os seus.

Thelma não será campeã. E periga, na festa de Babu, e certamente para desgosto do próprio, haver homens brancos acusados de estupro, surfistas e jogadores de futebol bolsominions, e empresários brancos loucos para tirar uma casquinha do momento.    

E Babu, campeão, eternizado o apelido de origem ofensiva. De quando, na escola, era chamado de Babuíno. Será que se no programa houvesse um participante branco com apelido de “Baleia”, herança de quando estava acima do peso e sofria bully na escola, estaríamos chamando o participante, ainda que carinhosamente, de Baleia? Babu está acima do peso. Como soa para você o nome “Baleia Santana”?

O BBB é como o Brasil. Para vencer, não basta ser preto. Tem que ser negro. E tudo mais que se espera de estereótipos.

Viva Alexandre da Silva Santana.

Viva Thelma Regina Maria dos Santos Assis.

Assinado, Luiz Fernando Azevedo.