Jornalista angolano escreve sobre custo político e social da Covid-19 no país

Membro do Instituto de Comunicação Social da África-Austral, o jornalista António Pedro, escreve, de seu país natal, Angola, exclusivo para o Quadro-negro. Não há, como a mentalidade colonial do ocidente pensa, “O impacto da chegada do novo Coronavírus na África”. Tem-se que, continuamente, lembrar-se de atentar ao erro de imaginar a África como um corpo geográfico único. 58 países, 800 milhões de pessoas, e milhares de etnias habitam um continente. Como o Brasil, Angola foi colonizada por portugueses. Com 19 casos confirmados, é interessante ler que o vírus chegou ao país vindo de estrangeiros. Do Brasil, inclusive. Quando portugueses chegaram ao Brasil com Cabral, traziam consigo, em seus corpos, uma bomba biológica, doenças das quais os nativos não possuíam defesa imunológica. O sarampo e a varíola trazida pelos missonários cristãos dizimou em poucos anos mais da metade de nossa população indígena. Um massacre. Sem poder deter a entrada de estrangeiros. Angola, agora, aguarda o que os estrangeiros, os “novos missionários” do século 21, levam consigo.

 

O custo político e social da Covid-19 em Angola – Por António Pedro, jornalista 

O que difere Angola do Brasil na luta contra um inimigo invisível, a nova coronavírus? Angola é dos poucos países de África que começou a implementar reformas políticas centradas no combate à corrupção e a impunidade, bem no fim de 2017, com a chegada ao poder do presidente João Lourenço, um social-democrata no seio do partido MPLA que substituiu José Eduardo dos Santos que governou o país por 38 anos.

Entre o foco do novo presidente e seu governo e as consequências da covid-19 e da baixa do preço do petróleo, pano para mangas. Dentro do combate à corrupção e a impunidade, o foco sempre foi de recuperar a reputação do país na arena internacional. A imagem de um país corrupto não favorece na captação de investimento estrangeiro para proporcionar empregos e aumento de rendas das famílias.

O desafio de melhorar sua imagem externa, levou o governo a adotar o repatriamento de dinheiro públicos roubados e desviados ao exterior através de fluxos financeiros ilícitos. Num primeiro momento, foi determinado um período de seis meses para os prevaricadores devolverem os dinheiro de forma voluntária. Não houve cooperação das elites envolvidas. O prazo esgotou em Dezembro de 2018. De lá para cá iniciou-se o repatriamento coercivo. Do Brasil, foram recuperados 10,2 mil milhões de reais.

A mulher mais rica de África, a cidadã angolana Isabel dos Santos, é o rosto mais visível da fase coerciva. Todas acções (majoritárias) dela em dois bancos comerciais de primeira linha, na maior empresa de telecomunicações do país, em empresas da indústria cervejeira, de varejo alimentar, mídia, etc., foram arrestadas pela justiça em Angola a pedido do Ministério Público. O efeito atingiu negócios dela em empresas gigantes em Portugal onde a justiça lá fez arrestos de acções e congelou contas bancárias, a pedido da justiça de Angola.

O que tudo isto tem a ver com a Covid-19 em Angola? Aqui começa o problema. Há um custo político alto diante de reformas em curso que podem atrasar devido os efeitos ainda incalculáveis da Covid-19. O povo espera do presidente e seu governo um toque de Midas, mas o país está sem dinheiro. Os ricos arrolados na justiça não repatriaram dinheiro públicos roubados que têm no estrangeiro. O real impacto de reformas que atraíram o FMI ao país com um empréstimo de 3,7 mil milhões USD – bem menos que os 58 mil milhões de dólares que Mauricio Macri conseguiu do FMI enquanto presidente da Argentina face as reformas que implementara – podem vir a desacelerar.

Apesar do Banco Mundial ser o consultor do governo, o FMI pretende ver o impacto do dinheiro emprestado na vida dos nove (9) milhões de angolanos que vivem na pobreza extrema. O governo pretende retirar 1,6 milhão de famílias na pobreza extrema até 2022 com a transferência mensal de rendas de 8,5 mil kwanzas (85 reais), para cada família, a partir de Maio próximo, através do Programa de Transferências Sociais Monetárias. O número de famílias abrangidas e a quantia definida poderiam ter sido maiores, mas a crise da Covid-19 e da queda brusca do preço do barril de petróleo, nos mercados internacionais, não permitem.

Com a previsão, para Maio próximo, de revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) o país terá menos dinheiro, porque a estimativa conservadora da média do preço do barril de petróleo a 55 USD, no actual OGE, deverá baixar de forma significativa face a produção prevista de 1,4 milhão de barris por dia. O problema é que a Covid-19 quase que paralisou a economia.

Com Estado de Emergência decretado pelo Presidente João Lourenço, de 27 de Março a 11 de Abril, as empresas deixaram de produzir e analistas acreditam que a recuperação dos mercados será que nem nó na garganta para um país que é o terceiro maior parceiro comercial dos EUA na África Subsaariana, devido à exportação de petróleo, e já foi nos últimos sete anos o maior parceiro do Brasil em África.

Pior: o país programou as primeiras eleições autárquicas, na sua história política, para este ano. É um cenário desfavorável para o partido MPLA que governa sob liderança do presidente João Lourenço e favorável para a oposição. Com 30 milhões de habitantes, receia-se que uma crise aguda da Covid-19 provocaria no governo o estresse de países como Brasil que se debatem com sérias dificuldades para aquisição de ventiladores para salvar vidas.

Não há estatística oficial do número de ventiladores existentes. Angola pediu apoios de Cuba e da China que já começaram a enviar médicos especialistas, para não se chegar ao pior momento como acontece na Itália, França, EUA, Brasil, Portugal. Até quarta-feira, dia 8 de abril, foram registados 19 casos positivos, duas mortes e dois pacientes curado, num universo de mais de 500 pessoas em quarentena vigiada, por GPS, provenientes de países afectados como Portugal, Brasil, África do Sul e China.

Em um contexto de austeridade, as reformas políticas pretendem insistir na melhoria do ambiente de negócios e a restauração da confiança dos investidores, bem como colocar na rota do crescimento uma economia que tem recuado desde 2014, mas… tudo estará refém das consequências da Covid-19 e da baixa do preço do petróleo.