No Brasil, luta antifascista não é luta antirracista

Katiuscia Ribeiro é filósofa, professora e Coordenadora Geral do laboratório Geru Maa de Africologia e estudos Ameríndios na UFRJ. Seu primeiro texto em colaboração ao Quadro-negro, se dá em um dia muito importante para a luta do povo negro contra o racismo no Brasil. É que nossa branquitude, por mais simpática e empática que seja à causa do povo preto, incorre sempre em um mesmo vício: incorporar às demandas políticas do povo preto suas próprias demandas, apagando as nossas. O fenômeno do apagamento é cruel e vem de quem pensa que é nosso aliado. O fogo amigo. Amigo? Há uma falsa simetria no argumento “dá para ser antifascista e antirracista ao mesmo tempo”, como fica claro no texto de Katiuscia. No domingo passado, os ativistas de redes sociais substituíram seus avatares. Usavam, finalmente, “pela Luta antirracista”. Durou pouco. Substituíram, sem dó, por bottons caprichados no design “antifascista”. E assim, um movimento que, num país como o Brasil, precisaria no momento ser apenas de negros, passa a ser “de todos” e “sobre tudo o que há de mal no mundo”. Assim, mais uma vez apagam o povo preto. Que, não custa lembrar, continua sendo o povo mais morto pela Covid-19 e pela violência policial. Agora, apagado pelo militante branco que, ainda que inconscientemente, não consegue nos deixar protagonizar nada. Não basta não ser racista. E, pelo visto, não basta ser antirracista. Também é preciso ser anti-ególatra. Deixem os negros respirar. Tirem seus joelhos dos pescoços dos negros.

Antifascismo e o perigo do esvaziamento das pautas raciais – Por Katiuscia Ribeiro

Falar sobre racismo é tocar pontos sensíveis de uma sociedade. É retirar a máscara de castidade da promíscua sociedade brasileira. É denunciar os mitos permanentes de uma democracia racial que nunca existiu nesse país. Precisamos entender que o esvaziamento das pautas raciais é algo corrente no país e ele parte de um projeto político que insurge tanto na situação com na oposição.

O movimento político no Brasil, que joga de escanteio as questões raciais, é grave, pois faz ressurgir o mito da democracia racial, muito bem denunciado por Abdias Nascimento. Se crê no Brasil que estamos diante de uma democracia que não distingue cor ou classe social, ou melhor, não entende que cor define classe social e garantia de direitos. Dizer que negros e brancos no país possuem os mesmos direitos políticos e sociais é irrisório.

A utópica democracia branca sempre se produziu indiferente a distópica realidade da população negra. No Brasil, a democracia e o direito de liberdade dos negros esbarram em uma balança desequilibrada. Os sonhos dos nossos jovens cessam pela bala de fuzil, a potência de tornar-se de uma criança despenca dos arranha-céus da cidade, a voz ancestral é asfixiada até a morte pela polícia. Não há democracia no racismo, o racismo é um fascismo eterno.

A mentirosa pauta de que somos democraticamente iguais em direito, é perigosa. O fascismo ameaça à liberdade de todos, por isso é legítimo apelar contra ele, mas cabe reconhecer que nossa população negra vive, no contexto da diáspora, o perpétuo fascismo da branquitude e experimentam o mais longo período de holocaustos da história.

A raça não tem fundamento biológico, mas encontra nas construções políticas sua base. Desta forma, a luta antirracista (movimento democrático mais antigo) é o movimento mais genuíno e completo pela democracia do Brasil. O direito à vida e a cidadania que temos só é assegurado em uma sociedade antirracista. Não adianta o fascismo ser combatido e o racismo escondido. Acredito firmemente que uma pauta antirracista é, necessariamente, antifascista, mas ao inverter esses fatores adultera-se totalmente o produto.

Katiuscia Ribeiro é Mestra Doutoranda em filosofia africana pela UFRJ.