E se antirracistas votarem em negros?

Se no próximo 15 de novembro, data das próximas eleições, todos os eleitores que se dizem antirracistas votarem em candidatos negros, teremos, pela primeira vez na história, feito 6.703 prefeitos pretos e mais vereadores negros do que brancos no Brasil.

Seria uma revolução sem precedentes. E seria da noite para o dia. Seria.

E, ao mesmo tempo, da noite para o dia, uma justiça sem precedentes – segundo o IBGE, 56% da população brasileira é negra. Nada mais justo seria que os representantes do povo sejam majoritariamente negros. Seria.

Não será. Entre a noite e o dia, um longo caminho. No Brasil, somos antirracistas apenas em público. No sigilo e na solidão do momento do voto na urna, revelamos o que somos.

O Brasil foi fundado, e até hoje governado, por homens brancos. Não deu certo para quem não é homem branco, ou seja, 73% da população. Mesmo assim, insistimos em neles depositar nossas esperanças.

Somos um país preto levado a credenciar mitos brancos.

De Borba Gato a Jair Bolsonaro. Nomes diferentes para uma mesma coisa que insiste em perseverar em Pindorama.

Em nossa história, ainda tão casta de eleições diretas, tentou-se, no máximo, uma mulher prefeita ali, um prefeito negro aqui.

Uns. E por uns poucos mandatos. E só. Como já foi escrito aqui na coluna Quadro-negro, gente preta não tem o direito de errar. Tem que acertar de primeira, ou levará consigo e com os seus a marca do erro.

A experiência de ser negro no Brasil, se levada às câmaras de vereadores, à micropolítica, onde de fato uma sociedade se constitui, seria, da noite para o dia, capaz de nos provir soluções a vícios até hoje insolúveis.

Seria.

Um futuro melhor para a maioria da população, passa especificamente pelo empoderamento da mulher preta na política brasileira. Marielle Franco é, hoje, inspiração para um número recorde de mulheres pretas candidatas ao próximo pleito. No portal “Agenda Marielle Franco”, há um guia para o eleitor de todo o país que queira informar-se à respeito das candidatas pretas que estão concorrendo em sua cidade.

Também no portal criado pelo Instituto Marielle Franco, estão as palavras que norteavam as ideias políticas da vereadora negra neutralizada por homens brancos que, durante séculos, só mudaram os nomes de batismo.

As palavras são: “Diversificar, não uniformizar. Ampliar, não limitar. Honrar, não apagar. Coletivizar, não individualizar. Puxar, não soltar. Cuidar, não abandonar. Escancarar, não encastelar”.

Um outro Brasil. A única possibilidade de Brasil ainda não experimentada. Todas as outras já testamos. Deu no que deu.

Dá no que dá.

Um país onde o discurso hegemônico diz que é errado racializar tudo, ao mesmo tempo que racializa tudo.

Um mundo que corrompe ao mesmo tempo que tenta convencer que não existe corrupção, aponta a socióloga Ruha Benjamin, atual professora-chefe do departamento de estudos afro-americanos da universidade de Princeton.

Um mundo que reduz a participação da cultura negra na formação brasileira a “contribuições”, nos ensinou a historiadora Beatriz Nascimento (1942-1995).

A cultura negra não “contribuiu” com a cultura brasileira. Ela constituiu a cultura brasileira.

Mas uma cultura preta levada a credenciar mitos brancos.

Mitos brancos, de ontem a hoje, deram no que deu.

Dá no que dá.

Formar uma classe política formada majoritariamente por negros, aí sim é algo que nunca foi tentado.

Seria a verdadeira nova política.

Seria.

Dia 15, o que será, acabará sendo: a nossa descoberta, ou relembrança, que nem nossos antirracistas são.

E que a verdadeira nova política, a política preta, não será realidade da noite para o dia.

Dia 15, o que será, seria.