O drama da pandemia racial no Brasil
Outra confirmação prevista para este novembro no Quadro-negro é a de Katiuscia Ribeiro como colaboradora fixa. Uma proeza da qual nos orgulhamos. Katiuscia é hoje uma das mais concorridas palesrantes do país, e as edições de seu curso Introdução a Filosofia Africana têm sido mais concorridas do que conseguir um lugar no paraíso. A desconstrução do saber ocidental é o que faz do século 21 um momento especial. Esse momento será, aqui, quinzenalmente, analisado pela hoje filósofa mais concorrida do país. Vamos é minha palavra favorita.
Um vírus letal e secular para a população negra do país – Por Katiuscia Ribeiro
Acorrentados, encarcerados espancados e asfixiados, há quase cinco séculos, a população negra experimenta no seu cotidiano as mais diversas estruturas de violências. Outrora o chicote, o navio negreiro, hoje socos, a mira do fuzil e os camburões das viaturas, seja nas vivências ou nas práticas de suas espiritualidades, na educação, na economia ou na política, sempre há formas atualizadas de violência. Ultimamente o espancamento e sufocamento é a nova técnica de abordagem policial, e a polícia agora tem como prática pisar em nossos pescoços contra o asfalto quente e/ou socar até cair no mesmo asfalto.
“Ele pedia, Só me deixa respirar!” … Assim amanheceu o dia da consciência negra, dia dedicado ao reconhecimento das revoluções históricas de um povo que organizou levantes, e outras diferentes dimensões de lutas que se comemoram nas organizações coletivas, Quilombolas como processos de memórias, histórias, sociabilidades e partilhas que nos aproximaram das tradições e da ancestralidade africana, e nos convida a refletir quais as estratégias que esses povos utilizaram para sobreviver, a partir do entendimento de uma história que rompe as correntes do século XV tirando a população negra da marginalidade ao longo tempo.
No entanto, o racismo apresenta-se como elemento determinante das relações cotidianas aferindo sua permanência. O corpo de João Alberto foi violado, derrubado, espancado e filmado, até o pano branco cobrir seu corpo atestando sua morte no mercado Carrefour em Porto Alegre. O racismo provocou mais uma barbárie contra corpos pretos ou seja, mais um corpo estendido no chão, as redes sociais chamaram a atenção, para o terror constante do país e do mundo e as mentes neste novembro negro. Um homem negro, 40 anos, casado, pai de quatro filhos. Um homem negro gritando por sua vida, e o silêncio racial comprova o quanto vidas negras nesse país não possuem validação humana, a zoomorgização sistemática (também conhecida como desumanização) é uma realidade do genocídio brasileiro. Do projeto de Estado dessa Nação.
Violências como essa trazem à cena a pandemia viral do racismo, virtual, letal à população negra. Como a COVID-19, o racismo também mata por asfixia. Entretanto, seu agente patogênico é o Estado e seus braços estruturais racistas que vigia e pune o povo preto a serviço dos herdeiros da colonização e da mão do punidora da polícia que escolhe: cor, gênero, classe social e lugar para aplicar sua letalidade. A cena apresenta problemas estruturais no Brasil: o racismo e o classismo que edificam todo um sistema de violações de direitos e violências.
A banalização da violências raciais e a naturalização das mortes demonstram que o racismo é muito sério, e a reação popular reforça isso. Racismo mata! E o racismo estrutural e o institucional brasileiro naturalizado pelos campos de poder e parcela da sociedade civil, permite que o extermínio programado do povo negro pelo Estado e pelos seus agentes de segurança pública, provoque apenas o afastamento daqueles policiais. O racismo que se produz é o “Foro Privilegiado” da branquitude que oferta aos brancos um tribunal de absolvições. Outrora vimos a entrevista no fantástico de uma mulher acusada de homicídio culposo de uma criança de cinco anos que caiu do elevador e que diz que não se arrepende, mas sabe que já está absolvida. Quando perguntada se fosse sua filha, a mesma não sabe o que responder, já que quem delegava cuidados à ela, perdeu o filho.
O racismo mata o corpo, mas também produz violências simbólicas e subjetivas que marcam.. Ele e sua família, filhos e netos terão de reviver essas cenas ao entrar nas redes sociais e seu palco de horrores. O racismo produz essa violência simbólica.
Encerro asseverando que a pandemia racial tem alta taxa de letalidade. Aponto ainda que nossos médicos não combatem o SARS COV 2 com notas de repúdio e compartilhamento em massa de imagens dos que perderam a vida pela negligência do Estado. O Estado Brasileiro e as instituições políticas devem fazer seus papéis e reprimir a violência sociais, policiais e fazerem justiça, para todas as mulheres e homens pretos que tombam pelo racismo e suas negligências. Justiça para nosso irmão preto, periférico que foi socado pelas mãos do racismo institucional, no município de Porto Alegre, e pedimos indenização racial. Só assim veremos seriedade no combate ao racismo.
Katiuscia Ribeiro é Mestra Doutoranda em filosofia africana pela UFRJ.