Nas urnas, o recado dos jovens

Em um ano escasso de notícias excelentes, talvez o interesse crescente de certo jovem brasileiro pela política seja uma novidade maior. Moeda, claro, com dois lados. Há os adolescentes que o fizeram ao perceber no anonimato que a internet oferece uma oportunidade para ceder aos impulsos hormonais do discurso de ódio.  Mas há os destemidos. Os lúcidos. Fatou Ndiaye, 15 anos, nossa colunista convidada, é uma destas pessoas jovens lúcidas. Em seu segundo texto para o Quadro-negro, faz uma análise importante à respeito da posição do jovem brasileiro na política, hoje, nesse Brasil que ensaia no futuro voltar a olhar pra frente.

 

Nas urnas, o recado dos jovens – Por Ndeye Fatou Ndiaye

No último dia 15 ocorreram as eleições municipais e elas não passaram despercebidas entre os jovens. Além dos milhares que marcaram presença nas urnas, as eleições seguem sendo um dos assuntos mais comentados no Twitter, no Instagram e nos grupos de Whatsapp durante as últimas semanas.

É inegável o interesse dos adolescentes e jovens pela política, com 13, 14, 15 anos de idade muitos já debatem questões complexas em relação à política partidária brasileira. A revolução digital permitiu que os mesmos adentrassem esse universo ainda na pré-adolescência e também os instigou a refletir acerca das questões sociais brasileiras.

Obviamente, não se pode tratar o eleitorado jovem de forma hegemônica, porém ele tende a ser bem mais progressista que o eleitorado  adulto e isto foi comprovado nas urnas. Um exemplo é o fato das candidatas negras com a agenda antirracista, mulheres transsexuais e LGBT’s com agendas anti-homofobia terem seus melhores desempenhos entre os jovens.

A ida do candidato Guilherme Boulos (PSOL) para o segundo turno também exemplifica isso. Com suas medidas progressistas e utilizando as redes sociais, ele conquistou mais de ⅕ do eleitorado jovem. Na câmara dos vereadores, a comunidade negra e a LGBT tiveram grandes vitórias. A Professora Duda Salabert (PDT) foi a vereadora mais votada em Belo Horizonte. Outra mulher trans que também alcançou uma vitória expressiva foi a Érika Hilton (PSOL),  a 6a candidata mais votada em São Paulo, maior colégio eleitoral do país . Por sua vez, Curitiba elegeu sua primeira vereadora negra, Carol Dartora (PDT). Centenas de candidatas fizeram história em suas respectivas cidades. Utilizando as mídias sociais para visibilizar suas agendas, essas candidatas cativaram adolescentes e jovens. 

Mas a pergunta de um milhão de reais é: em um mundo cada vez mais  individualista, onde nos colocamos sempre em primeiro lugar, por que essa nova geração se preocupa tanto com essas questões sociais?

Antes de tudo, é necessário pensar que o eleitorado brasileiro está em constante renovação. Somente em 1988, com a nova constituição, pessoas analfabetas (que na época representavam 25% da população) conquistaram o direito ao voto. Esses 25% eram negros e pobres. A população de baixa renda começou a ser inserida no contexto eleitoral há algumas eleições atrás. As políticas afirmativas (bolsa família, regulamentação da empregada doméstica como trabalho formal, etc.) permitiram a formação de uma geração de jovens conscientes dos seus direitos e deveres e que exige cada vez mais a presença do Estado no seu cotidiano.

Esses mesmos jovens que sofrem com o racismo, homofobia e o machismo, utilizam as redes sociais para contarem suas narrativas e atingirem outros jovens. Todos os dias milhares de threads, posts e vídeos são compartilhados expondo essas graves injustiças sociais. E mesmo aqueles que não sofrem diretamente com essas questões, entendem que as pautas raciais, de gênero e LGBT’s são essenciais para a construção da Nova Ordem Mundial.

Com a inserção dessa população, os partidos precisaram se readequar a essa realidade que surgiu com esse novo eleitorado. Além das pautas tradicionais, as inserções de agendas antirracistas, feministas, antihomofóbicas e antitransfóbicas começaram a pesar na decisão do eleitor, principalmente da juventude. A política do homem branco de terno não fazia mais sentido para jovem. Era necessário que os candidatos também tivessem capacidade de  dialogar usando uma linguagem que despertasse o interesse da juventude. Assim é iniciada a política do jovem para o jovem. Ao longo dos anos a juventude vêm ocupando cada vez mais cargos políticos, tanto na esquerda, quanto na direita e no centro. Aí entra uma questão fundamental: o consumo da informação.

A principal diferença entre o público adulto e jovem quando se trata de informação é a forma com que ela chega no receptor. O público mais adulto tem a tendência de receber e consumir a informação pronta. Um exemplo são os telejornais e os programas de debate e opinião. Já o jovem, em geral, ignora a informação mastigada, vai direto na fonte. Ele tem os mecanismos para interagir diretamente com os candidatos, através das mídias sociais e assim, embasar melhor suas opiniões e escolhas. Se eu quiser saber sobre determinado candidato eu não esperarei o jornal do horário nobre me fornecer as informações! Eu instantaneamente vou no Twitter, no Instagram do candidato e a partir de seus tweets e posts consigo interagir com seu perfil e entender se ele é o candidato que me representa.

De bloco em bloco, nós jovens, construímos nossas opiniões e convicções. Obviamente há muito espaço para mudarmos nossos posicionamentos, afinal, como qualquer ser humano, estamos em constante aprendizado e evolução. É incrível ver tantos jovens engajados politicamente. Não devemos ter medo da política, já que somos cercados por ela todos os dias. E se nós estamos preparados para adentrar esse mundo polarizado que é a política partidária brasileira? Old que sim!