Passados 100 anos, uma Folha melhor
27 anos atrás, no dia 11 de julho de 1994, eu publicava meu primeiro texto em um jornal. Este jornal era a Folha. Na época, eram poucos os jornalistas e colaboradores negros na redação. Hoje, aos 100 anos, há mais. Ganha o jornal. Ganha o leitor.
Pelo texto publicado em 1994, recebi o meu primeiro pagamento por um trabalho. Com o dinheiro, comprei uma calça e uma camiseta boa, um cadarço novo para meu tênis guerreiro, jantei em um lugar chique, uma cópia de “O Quilombismo”, de Abdias Nascimento, molduras para as cartas de papel que troquei com Kurt Cobain em 1993, uma garrafa de uísque e uma cama nova para o quarto que alugava em uma pensão. Guardo o jornal até hoje.
E um jornal guarda um país. O país guardado na Folha é, hoje, por conta da diversidade de sua equipe, é polifônico. Enquanto há, por exemplo, um blog dedicado ao pensamento de pessoas negras, há articulistas que sequer acreditam no conceito de raça.
Direita versus esquerda, racismo versus racismo reverso, centro versus periferias. O que uns chamam de polarização, outros chamam de exposição de uma polarização que sempre existiu.
O Brasil é um país que saiu do armário. A Folha de São Paulo acompanhou. Fez o que todo veículo de comunicação deve fazer. Permaneceu com o presente. Deixou o passado passar.
Tenho algumas saudades do passado. Jornais de papel reinavam em nossos cotidianos, e poucos prazeres se comparavam a sentir nas mãos o peso da grossa edição de domingo.
Folhas de jornais se espalhavam pela casa, e em casa de assinantes as edições de todos os dias se acumulavam e se confundiam.
Nas ruas, havia folhas usadas de jornal pelas calçadas. Hoje, nos lixos já não há folhas de jornal.
Nossos lixos são repletos de plástico.
E isso diz muito sobre a vida de plástico que vivemos hoje. Ou a vida de plástico que se vive quando uma sociedade se afasta de jornais de papel.
Dizem que uma das grandes tragédias humanas é o fato de nosso intelecto chegar no auge da maturidade quando nosso corpo envelhecido já não pode mais desfrutar dela.
Diversa, fora do armário, polifônica, a Folha resista, aos 100 anos de idade, à plastificação do mundo.
Essa dicotomia.
A folha de papel.
E o papel da Folha.