Rincon Sapiência escreve sobre os monopólios na arte que ainda permanecem
Convidado para mais uma vez escrever para o Quadro-negro, Rincon Sapiência, MC, produtor musical e empresário à frente do selo musical MGoma, nos entregou um artigo precioso, por conta do assunto que se debruça. A era digital democratizou de fato a produção musical? Se sim, o quanto? Se não, o que está errado? E como se relacionar com um mercado que quer se dizer novo, mas que conserva regras antigas? Com a palavra, quem tem dela tem o dom. Quem tem sapiência.
Produção Musical: Potencializar novas potências – Por Rincon Sapiência.
Se tratando de música brasileira, considero como um fenômeno, o fato, de que em dado momento as mãos das quebradas passaram a orquestrar o ritmo das tendências da música atual. Isso vem de um período onde os menos favorecidos economicamente passaram a ter mais poder de compra, acesso à tecnologia, isso tudo aliado à internet. Mesclando esses acessos à criatividade e talento que já é natural da população de quebrada, uma safra interessante de produtores musicais, DJ’s, MC’s, cantoras e cantores se potencializam, entendendo que infelizmente, a maioria desses talentos são negligenciados e grande parte desses artistas não conseguem alimentar o sonho por muito tempo.
Toda essa narrativa é para contextualizar que faço parte dessa safra de artistas, muitas ideias, pouco dinheiro e o entendimento que recursos tecnológicos nos permitem coisas incríveis. Investir em equipamentos acaba sendo mais barato do que pagar regularmente estúdios, isso pensando a longo prazo, sendo assim, é possível produzir, gravar e finalizar. A qualidade não está ligada somente ao valor dos equipamentos, mas principalmente à expertise de quem pilota a nave. O estudo nos permite ser um bom piloto, a prática e a repetição são essenciais, e ao longo dos anos, me dediquei a fazer trabalhos em casa. Na gíria da rua, a casa pode ser chamada de ‘goma’ e com influência da grafia africana Bantu nomeio meu espaço de MGoma (lê-se “em goma”).
Nesse processo lancei muitas músicas na Internet. Em 2014 lanço o EP SP Gueto BR, em 2017 coloco na rua meu primeiro e premiado álbum Galanga Livre, no ano de 2018 MGoma se torna um selo, período em que inicio a gestão da minha carreira. Em 2019, lançamos o segundo álbum intitulado Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps, disponível também em vinil. Mesmo contando com outros profissionais na coprodução entre outros processos de finalização, todos esses trabalhos foram idealizados, produzidos e gravados em casa, reforçando: MGoma.
Compartilho isso, mas não é sobre mim, e sim, sobre o fato de entender que a arte não merece monopólios. Muitos artistas carregam grandes ideias, mas faltam instruções de como materializar essas ideias da melhor forma, e neste momento é fundamental o trabalho do produtor musical. E ainda se tratando de mercado, a suposta “jóia” precisa atender alguns perfis já estabelecidos e o interessante ao meu ver, seria uma variedade de jóias, de cores, de tamanhos e de brilhos.
Mesmo eu tendo um trabalho premiado e músicas de impacto na pista como ‘Ponta de Lança’, demorou um certo tempo para que a classe artística me procurasse como produtor musical. Tenho realizado muitas produções ultimamente, e o lançamento mais recente é o EP visual ‘Esse é Sobre Você’ da cantora e compositora Indy Naíse, em que produzi as cinco faixas. Acredito que esse trabalho a coloca em um caminho interessante, já que criamos algo bem autêntico, se tratando da proposta musical.
Durante muitos anos como apreciadores de música, existia a expectativa de alguém criar um determinado som e hoje em dia a questão já não é mais “quem vai fazer?” e sim “como vamos fazer?”. Considerando os recursos, tutoriais e a criatividade, vivemos em uma linha que alterna facilmente entre o efêmero e o incrível, porém, essa rapidez está ligada ao ritmo da atual sociedade, que naturalmente se reflete na música.
É estranha a sensação de visitar o estúdio de um ‘parça’, escutar a música que ele produziu da cantora da rua de baixo, passar o dia com o refrão na cabeça e imaginar que numa grande rádio ou canal com muitos inscritos essa música poderia ser um sucesso. A questão é que os ‘peixe grande’ não encosta pra cá, e quando vem nem sempre trazem boas intenções em seus negócios. Então, mesmo sem a mesma bala que trazem essas grandes corporações, seguimos com as antenas ligadas: o foco é potencializar novas potências.