Negritude, poderes e heroísmos

Na semana em que foi anunciado o nome da roteirista, diretora e atriz Michaela Coel para o elenco de Wakanda Forever, a continuação do filme Pantera Negra, e o mundo foi informado que o deus Loki nada mais é do que um mito inspirado em Exu, divindade mais antiga, o Quadro-negro vem perguntar para o historiador Elbert de Oliveira Agostinho, organizador do livro “Negritude, Poderes e Heroísmos” (Ed. Conexão7, 2021):  Qual a importância dos super-heróis negros para quem tem a pele escura? Elbert responde ampliando a pergunta, em seu artigo exclusivo para o blog.

 

Quadrinhos, ensino e identidade – Por Elbert de Oliveira Agostinho

Qual a importância dos super-heróis em nossas vidas? Múltiplas. Roland Barthes escreveu que vivemos entre mitologias, e Stuart Hall que a identidade é fluída.

Por volta dos 5 anos de idade pedi a meus pais uma festa de super-herói, entre as referências das crianças que nasceram na década de 1980 está o cavaleiro das trevas, conhecido cordialmente como Batman. Então, me transformei, capa, máscara, e hoje percebo, que naquele momento, apesar da doce felicidade de uma criança, não havia referências negras para minha festa.

Muitas páginas depois desse episódio, escolhi a carreira de professor como aventura pra vida, e refletia sobre a inserção de histórias em quadrinhos na sala de aula, e como potencializar o arsenal discursivo que existia naquelas revistas.

Preocupado com as questões raciais, professor da Baixada Fluminense no Rio de janeiro, em 2011 iniciei um projeto chamado África em Quadrinhos.

Selecionava várias revistas com personagens como Pantera Negra, Tempestade, Vixen (no início era mais fácil encontrar personagens estadunidenses), e discutia com meus alunos sobre a importância desses heróis e heroínas, e que eles eram do continente africano, assim, apresentava aos alunos também, o Berço da Humanidade.

Esse tipo de trabalho foi ganhado asas, e visitando outras escolas, outros estados, congressos e simpósios acadêmicos, e nessa jornada do herói-professor fui conhecendo parceiros, que pensavam em outras práticas didáticas, e com olhar distante paqueravam as histórias em quadrinhos.

Esse movimento foi ganhando força e fundamos o Observatório Carioca de Histórias em Quadrinhos, espaço onde trocamos informações e práticas sobre o uso das hq’s na escola e nas perspectivas acadêmicas. Hoje, observamos o nascimento de uma série de obras nacionais que discutem questões raciais entre as páginas dos quadrinhos, os colegas Hugo Canuto, Marcelo D’Salete, Jefferson Costa e Rafael Calça são expoentes desse movimento, que enxergamos como Afrofuturismo.

O trabalho no “chão da escola” continua, é incisivo, pois, nossas crianças necessitam de referências para se compreenderem, e abraçarem sua identidade com muita ludicidade e alegria.

Existe um projeto para desestabilizar crianças negras, violentar de tal maneira, que será quase impossível construir perspectivas para o futuro em seus imaginários, hoje me encontro como um dos educadores que luta pela destruição de estereótipos, e inserção de possibilidades para que nossas crianças possam sonhar, e com as histórias em quadrinhos, com os colegas de trabalho, amigos e amigas que colecionamos pela vida, percebo que isso é possível, isso é real, e urgente.

Qual a necessidade de pesquisas sobre quadrinhos e questões raciais? Nossa pesquisa nos atinge primeiro, balança nosso imaginário, e percebemos o quanto se torna importante adquirir novas histórias. Lembramos de Anansi, que desejava contar histórias para o povo de sua aldeia. Então, levamos histórias as nossas escolas, muitas não foram contadas, e outras invisibilizadas, e as narrativas que escolhemos valorizam a ancestralidade, religiosidade, a diáspora, o povo preto, nosso povo, nossas raízes.

Então, encontramos uma maneira de nos conectar com nossos alunos, através dos heróis e heroínas, não aqueles que apresentam traços estéticos que desconhecemos, mas, protagonistas que se parecem conosco, com nossa família, que refletem a imagem que não tínhamos quando éramos pequenos.

A intersecção entre saberes e pedagogias antirracistas nos levaram a construção de diferentes perspectivas sobre questões raciais, e de que maneira propor debates sobre assuntos que nos envolvem, como por exemplo, a cosmovisão africana e deidades afrodiaspóricas, reflexões sobre eugenia e racismo, os processos de construção da identidade negra, debates sobre masculinidades e negritude.

Além de pensarmos sobre os poderes da representação e o impacto de suas composições estéticas, políticas de raça em suportes midiáticos, o estudo da cultura visual para o fortalecimento das étnico-raciais, e a necessidade de ressignificar a compreensão do continente africano.

Todas as artes nos permitem exercitar outras visões sobre questões raciais, nossa opção sobre a 9º arte está envolvida no cotidiano escolar, em práticas que são direcionadas as nossas crianças. Trabalhar com quadrinhos em sala de aula, é levar os alunos a exercitarem a leitura e análise de imagens, e desenvolver perspectivas com repertório negro, são ações que construímos, e praticamos nos espaços em que habitamos.

A filósofa Helena Theodoro evidencia a importância de estarmos atentos as necessidades materiais e simbólicas presentes na sociedade, bem como os sonhos, anseios, crenças e fantasiais. Esse mundo lúdico é tão necessário, e negligenciado por muitas pessoas, principalmente quando se trata de perspectivas raciais. Então, utilizamos das narrativas ficcionais para discutir questões reais.

Passeamos no mundo lúdico, para mostrar discursos e estéticas que invisibilizam nossa negritude, e apresentamos outras propostas, de reconhecimento e valorização da intelectualidade negra. Os quadrinhos funcionam como um meio para ampliarmos a imaginação de nossos alunos, e estamos fazendo isso de maneira efetiva, no sentido da promoção de uma igualdade racial.

 

Elbert de Oliveira Agostinho é fundador do Observatório Carioca de Histórias em Quadrinhos.