Será hoje o último domingo em um país democrático?

Pergunte ao Google: “O que foi a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade?”, manifestação realizada em 19 de março de 1964 que avalizou a ditadura militar.

O resultado será: “A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi uma resposta das alas conservadoras da sociedade brasileira contra as denúncias alarmistas que aconteciam sobre uma suposta conspiração comunista.”

A marcha dos conservadores golpistas de 1964 foi caracterizada também por ser um evento pacífico que contou com a colaboração das polícias militares. E, sobretudo, por ser uma marcha essencialmente de gente branca. Tudo se deu em uma quinta-feira. No domingo seguinte, já não éramos mais uma democracia.

O que não era exatamente uma novidade.

E talvez a única e verdadeira tragédia brasileira reside no fato de tudo repetir-se.

De nada ser realmente novo neste lugar.

Ainda que, desta vez, em comparação a 1964, tenhamos um maior coro dos descontentes, dos que já passaram por uma ditadura militar. Nos que viram toda a pose anti-corrupção revelar-se uma farsa em nossa história encenada toda vez que algo de novo ensaia acontecer.

As convulsões conservadoras em nossa história são uma espécie de vasectomia, um tipo de ligação de trompas que tem como objetivo garantir que nada de novo nasça aqui.

A novidade ameaça quem quer conservar. O Brasil nunca teve a chance de ser algo novo.

Principalmente para a população das classes mais baixas, que francamente estão pouco ligando para os rumos que podemos tomar a partir das manifestações de terça-feira, dia 7 de setembro.

Privação de direitos, de liberdade de expressão, de ascensão social, arbitrariedades por parte da polícia, violência, tortura, influência da igreja, corrupção. O Brasil que os bolsonaristas querem não é novidade na favela.

Quem mora na favela, quebrada, Bacurau, dê-se o nome que quiser, assiste todos os dias ao desfile da marcha da Família com Deus pela Liberdade passar. A romaria para garantir os privilégios do tipo de ser humano mais comum: o fraco, que não aceita compartilhar o que tem.

Ainda assim, os domingos se sucedem nos quilombos do Brasil. E contra todas as configurações econômico-sociais, seus moradores, do tipo mais raro de ser humano que existe, o forte, procura existir.

Enquanto muitos, hoje, com medo de golpe, mergulham em crises existenciais.

Medo de golpe só tem quem não vive em um.

O fato é que, para os desprivilegiados, golpes são um detalhe. Uma repetição que não muda nada de fato.

O que mudaria algo seria apenas uma coisa: o despertar dos que hoje temem.

Se todos os que temem pelo fim da democracia passassem a lutar também por democracia para quem nunca teve, aí sim viveríamos em um país justo. Um país forte.

Aí sim viveríamos um país novo.

E finalmente um novo domingo.