O tiro branco no pé preto do jornalismo
Estamos vivendo uma época em que se nega a ciência e se tenta convencer de que injetar ozônio no ânus de uma pessoa irá fazer bem a ela.
Aqui, no Quadro-negro, minha função é escrever textos e convidar gente preta para escrever. Daqui, já saíram colunistas para o UOL e a Folha.
Gente séria. Cientistas.
Desde que a Folha chamou para o seu time de colunistas o jornalista Leandro Narloch, tive dificuldades em convencer cientistas a escreverem para o jornal.
Narloch, dentro da academia, especialmente no ambiente da História, é tido como inimigo da ciência. Os livros que os tornaram célebre, como os Guias Politicamente incorretos são, segundo a ciência, repletos de inverdades e invenções.
De fato, Narloch vendeu-se como uma espécie de sujeito que tem uma pretensa coragem de contar para o leitor o que segundo ele os livros de história e, especialmente, a imprensa não contou.
Ao surgir no mercado editorial como alternativa ao que diz a imprensa, supostamente, segundo o que dizem seus livros, rendida à ditadura do politicamente correto, Narloch turbinou, na década passada, o ódio que hoje alimenta terraplanistas, supremacistas e defensores do tratamento de ozônio via retal para pacientes com Covid-19.
Dos colaboradores do Quadro-negro, dois pediram a retirada de seus textos publicados na Folha. Um deles me acusou de ser um negro que utiliza negros para chancelar um projeto de jornalismo que, para manter-se elitista, traveste-se de plural.
Há, nos movimentos negros, a discussão a respeito da recente onda de diversidade nos meios de comunicação. Há a tese de que negros são usados para confirmar espécie de selo antirracista a instituições que, na prática, não irão deixar de exercer o discurso que sempre exerceram.
Tudo isso e o artigo do colunista Narloch (demitido da CNN Brasil em 2020 acusado de comentário homofóbico ao vivo) que trata de questões do período de escravidão no Brasil ainda não havia sido escrito e publicado pela Folha.
Mas a hora haveria de chegar. Negros são alvos fáceis. Você nunca verá gente como Narloch ou Olavo de Carvalho publicando uma obra chamada Guia Politicamente Incorreto da História… da etnia dos donos de editora que publicam seus livros.
Seu artigo, escrito sem suor e publicado quarta-feira, 29 de setembro, intitulado “Luxo e riqueza das ´sinhás pretas´ precisam inspirar o movimento negro”, se levado à sério, como a defesa do tratamento preventivo contra a Covid-1 e da eficácia da cloroquina, danifica o trabalho árduo de cientistas como Sueli Carneiro e Djamila Ribeiro.
Sua obra, que se beneficia, há anos, da popularidade das fake news, desfaz do trabalho de todos, de todas as cores de pele, que labutam no jornalismo enquanto ciência da comunicação.
Ela estar neste momento sendo publicada por um jornal é curioso.
Mas estamos vivendo uma época em que se nega a ciência e se tenta convencer de que injetar ozônio no ânus de uma pessoa irá fazer bem a ela.