Amor
Se você veio parar neste texto por ter clicado em um link cujo título é ‘Amor’ , parabéns.
Os algoritmos têm privilegiado conteúdos que nos façam sentir o contrário de amor.
Este texto, inclusive, teria, claro, mais visualizações se seu título tivesse sido ‘Ódio’.
Não que as pessoas não queiram sentir amor. Elas querem, e inclusive exercem amor quando clicam no link de um texto chamado ‘Ódio’.
Uns amam odiar Bolsonaro. Outros, amam odiar Lula. Outros, amam odiar a terceira via.
Uns amam Caetano, mesmo odiando quando ele, pela enésima vez, vem com o discurso de Princesa Isabel isso, Princesa Isabel aquilo, insistindo em um Brasil-Nárnia, sem a coragem quem têm as novas gerações de enfrentar os Brasis reais, como em seu mais recente, e mais Enzo-PSDBlístico, álbum.
Uns amam a o movimento tropicalista, mesmo odiando o fato dele ter sido, e ter defendido as ideias de uma classe média branca de centro-esquerda, conciliadora no fundo excludente, que deixou de fora, na época, por exemplo a gente preta do samba.
Uns amam Dennis Villeneuve, mesmo odiando como seu mais recente filme, Duna, é mal filmado de um jeito que deixa o editor em sérios apuros, e careta.
Uns amam odiar tudo. Outros, amam odiar os que odeiam tudo.
Uns amam odiar quem não exerce um planar indiferente e isentos. Outros, amam odiar os isentos.
Tudo o que fazemos é por amor. É a única coisa que temos todos em comum. Em sincronia. Algo ritmo.
Algoritmos não são novidade. Vêm do tempo das cavernas. O espanhol Pedro Almodóvar estava errado quando disse, em agosto, que os algoritmos não são humanos. Estava ele amando odiar a censura que o Instagram fez ao cartaz de seu mais recente filme, ‘Madres Paralelas’, que ilustra este texto chamado amor.
O amor, esse algoritmo.
O algoritmo eletrônico, responsável pelo que vemos e não vemos nas redes sociais, é uma versão virtual do que se passa em uma aldeia Dogon, no Mali, ou o que acontecia na rotina de um dia de semana qualquer de uma cidade na antiga Mesopotâmia.
O mundo nunca se apresenta a nós inteiramente. O que nos é mostrado, sempre segue um projeto de sociedade.
Se dá mais lucro termos uma sociedade que movimenta muito dinheiro com a tentativa das pessoas em encaixar-se num único padrão de beleza, o algoritmo vai nos lotar de imagens de pessoas magras, de cabelo xis, cor da pele xis.
E esse padrão de beleza vai obedecer o padrão físico hegemônico dos lugares onde mais circula dinheiro. Por isso o padrão de beleza ainda segue eurocêntrico, com China começando a concorrer.
Embora chineses amem parecer ocidentais.
Como o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo (negro que negros amam odiar), que ama parecer branco.
É assim com as redes sociais, sempre foi assim com as capas de revistas do século 20. Pessoas de um certo tipo físico e intelectual em suas capas para nos fazer gastar dinheiro para ser como elas.
A maioria dos negros ama odiar o racismo. Mas, em uma abordagem afroperspectivista, o amor, essa palavra, não existe. É um signo quem não comporta a complexidade da afetividade humana.
Mais sofisticadas, as culturas do continente africano não ousam dar nome ao que nós, aqui dessa cultura fast-food-fast-thinking demos o nome, por questões mercantilistas, de amor.
Seguimos, aqui, nesse oeste do mundo, nesse lugar intelectual tão distópico chamado de civilização, sem outra alternativa senão amar.
Mesmo odiando.