Caminhamos para o fim da pandemia de Covid-19. E agora?
Segundo a coluna de Mônica Bergamo, a cidade de São Paulo registrou ontem, dia 3 de novembro de 2021, apenas uma morte por Covid.
Ontem, morreu mais gente em São Paulo por consequência do câncer, do que por Covid.
Ontem, morreu mais gente em São Paulo por acidentes no trânsito, do que por Covid.
Ontem, morreu mais gente em São Paulo por consequência de violência urbana, do que por Covid.
Ontem, morreu mais gente em São Paulo por doenças causadas por falta de saneamento básico e desnutrição, do que por Covid.
E agora? O que iremos fazer sem este vírus inimigo que a todos nos mobilizou?
Uma sugestão: passarmos a nos mobilizar coletivamente, com a mesma urgência, desespero, recursos e disciplina, pelas questões que matam tanto quando a Covid-19.
Passarmos a tratar a violência urbana, o racismo, a fome e a falta de saneamento básico como uma pandemia.
A maioria dos óbitos por Covid no Brasil foi de negros.
A mesma coisa para câncer, acidentes de trânsito, violência urbana, falta de saneamento básico. e desnutrição.
Porque tudo o que mata, no Brasil, mata mais gente preta.
E talvez aí esteja a maior e mais antiga pandemia da qual sofremos.
Que não é tratada com urgência, desespero, recursos, mobilização coletiva e disciplina.
Um mundo pós-pandemia, com pessoas usando máscaras de acordo com sua consciência, como há décadas no Japão, e preparado para outros surtos virais globalizados, vem aí.
Mas esse mundo, como o antigo, antes da Covid-19, não tratará do que mata gente preta no Brasil.
Em 20 de junho de 2021, quando contabilizou-se 500.000 mortos por Covid, a Folha publicou, em uma capa comovente e histórica, uma primeira página praticamente em branco, com a seguinte frase, em maiúsculas.
‘Vamos morrer até quando?’
Isto posto, cabem perguntas.
Gente preta está incluída neste ‘vamos’?
Se gente preta estiver incluída, teremos uma outra capa com os mesmos dizeres quando chegarmos à marca de milhão de mortos por violência policial no século 21, mortes via de regra vinculada a racismo, esta pandemia?
Negar os mortos desta pandemia chamada racismo faz de nós negacionistas?
Será de fato um novo mundo, este que se informalmente já se anuncia?
Ou será um novo mundo pra uns, e o velho mundo de sempre para outros?
Pela vida de quais seres humanos estamos dispostos a nos mobilizar?
E quais estamos dispostos a ignorar?
O que aprendemos a tragédia que vivemos?
Perguntas que cabem, respostas descabidas.
Neste novo mundo, poderemos estar desinfetados.
Mas seguiremos doentes.