Brasil, o inferno dos negros

Em uma tarde de sol em 2016, estava dando aula na comunidade de Mangueira, zona norte do Rio de Janeiro, quando um grupo de rapazes, todos pretos, entrou em sala querendo saber o que estava sendo ensinado ali.

“História da cultura negra” – respondi.

Os rapazes, com seus 17 a 20 anos, caíram na gargalhada.

“Aí, Pokemón! Esse curso é para você hein?”

Se referiam a um rapaz, mas retinto que os demais, que constrangido, não respondeu.

“Aí, Pokemón! Tem que chamar toda tua família, rapá!”, riam os rapazes, fazendo troça da cor da pele do mais retinto. O rapaz, então, respondeu.

“Ih, mas vocês são preto também, tá?”

A gargalhada foi geral. Os rapazes pretos respondiam: “Preto, eu?”, “Sou moreno, rapá!”, “Preto aqui só tem tu!”

A maioria dos rapazes tinham o cabelo descolorido. Um deles, sempre rindo, cravou.

“E eu sou moreno lorinho, rapá!”  – passou a mão no cabelo cortado muito rente. Cabelo que, se deixado crescer, revelaria um afro volumoso.

E foram embora, rindo, como se ali estivesse sendo dado aula de História da cultura marciana.

Jovens pretos praticando bully com jovem preto. O jovem preto, de apelido Pokemón, encarando tudo como uma ofensa, louco para negar o rótulo, mas sem poder, porque a pele absolutamente retinta o impedia.

Jovens pretos que não sabiam que eram pretos. Que não gostariam de ser pretos, porque pra eles, ser preto é defeito.

Jovem negros sem a consciência de que ser negro é qualidade.

Jovens negros sem a consciência de que são negros.

O racismo é o projeto mais bem executado pelo Brasil porque lobotomiza negros. Aliena gente preta de si mesma.

Nos retira a consciência de tudo.

Por isso, só a consciência negra pode nos salvar desse Brasil abjeto, covarde, horrível.

Uma nação horrível que se mantém justamente anulando consciências.

Podemos, um dia, ser um país digno, bom?

Sim.

Mas antes, é obrigatória a autocrítica.  É fundamental admitirmos que somos péssimos.

Chega de  mulato inzoneiro, de fontes murmurantes, de morena dos olhos d´agua, de mulatas assanhadas, dessa celebração de um Brasil que só existe na cabeça fetichista dos intelectuais que produzimos até aqui.

O Brasil não é um Pokémon sorridente de pele de cor amarela.

O Brasil é um inferno.

Pátria amada apenas por quem não tem consciência negra.