Quadro-negro https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira Fri, 26 Nov 2021 18:56:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Meninas negras podem ser sereias https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/26/meninas-negras-podem-ser-sereias/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/26/meninas-negras-podem-ser-sereias/#respond Fri, 26 Nov 2021 18:44:23 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/nath-finanças-300x215.jpg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=1023 Vencedora do Troféu Mulher Imprensa 2021 na categoria jornalistas da editoria de Diversidade, Nath Braga escreveu para o Quadro-negro, uma delicada crônica que é ela mesma a consciência negra. Ciência, consciência cabelo e água.

 

Meninas negras podem ser sereias – Por Nath Braga

É incrível a quantidade de brincadeiras que poderiam acontecer ali, em uma piscina de plástico. Tinha jogo de luta, campeonato de quem conseguia passar mais tempo submersa, tentativas de acrobacias, cabra-cega (que você pode conhecer como ‘cobra cega’) e até um esforço coletivo para criar a própria piscina de ondas, o que muitas vezes derrubava  um dos ferros da piscina e encerrava a brincadeira.

Era comum que, depois de uma tarde inteira nadando, minhas primas e eu decidíssemos brincar de salão de beleza. Só isso já era um grande avanço pra quem não participava desses momentos em sala de aula. Com imaginação e água, nós penteávamos nossos cabelos de um jeito que era tão relaxante quanto assistir ASMR e, ao mesmo tempo, rendia alguns resultados propositalmente zoados. A cliente da vez só podia se olhar no espelho no final.

A água representava liberdade pra mim. Era a trégua no conflito entre as duas texturas: a maior parte, quimicamente tratada, ganhava movimento. Já a parte mais próxima ao couro cabeludo, completamente crespa, ficava úmida e maleável. Meu cabelo é do tipo 4C. Sim, há alguns anos existe uma classificação de tipos de cabelo que vão do 1A (mais liso) ao 4C (mais crespo) que ajuda as pessoas a encontrarem produtos e rotinas de cuidados de forma personalizada. Porém, na minha infância, tudo que eu sabia é que aqueles milímetros de cabelo natural crescendo eram motivo de constrangimento, e esse fenômeno era chamado de “raiz alta”. No mergulho, eu conseguia esquecer por alguns minutos a pressão de me manter arrumada, ainda que não soubesse quando poderia aplicar relaxante no couro cabeludo outra vez. Inclusive, que nome irônico! Mas, eu ainda nem contei qual era a parte mais legal no meu imaginário infantil: mergulhar!

Embaixo d’água, meu cabelo flutuava como se fosse liso. Eu adorava fazer isso quando o sol estava forte porque os fios ficavam mais acobreados do que nunca, e pra mim aquilo era um loiro incrível (visualmente, não estava errada!). Desejei muito que os procedimentos químicos, por mais dolorosos que fossem, pelo menos  tornassem o meu cabelo mais claro. Era quase um troféu de consolação, mas não por finalmente me aproximar da estética ‘branca’, e sim porque a incompatibilidade química me impedia de pintar o cabelo. Apesar disso, lá estava a natureza me presenteando com um efeito colateral. Anos depois, soube que aquilo na verdade era uma evidência de que, a cada contato com a soda cáustica, meus fios estavam perdendo consistência e, literalmente, se transformando em fantasmas pálidos.

Sim, eu coleciono memórias felizes com o meu cabelo. Existe um mundo onde meninas negras viram sereias em suas piscinas, brincando por aí de pentear o cabelo com os dedos enrugados. Nós, pessoas adultas, sabemos respeitar a mitologia muito bem. Quer ver? Tenho certeza que você fecharia esse texto agora se eu começasse a defender que sereias fossem criadas em cativeiro. Todo mundo sabe que a beleza das sereias tem relação direta com a liberdade, inclusive, de adornar os próprios cabelos. Sereias-meninas-negras também não precisam ter uma vida limitada às piscinas. Elas merecem mais.

Lá no início dos anos 2000, era o saldo bancário que determinava quando era o momento de “fazer o cabelo”, já que os relaxantes capilares custavam entre R$20, e R$60, a depender se eram comprados na farmácia ou no salão. Poderia listar aqui umas 15 demandas mais urgentes nas finanças de uma família preta em comparação a modelar o cabelo de uma criança. Ainda assim, insistíamos porque relaxar ou alisar cabelos cacheados e crespos era visto como o único caminho possível. Felizmente, pouco depois de 2013, foi impossível não prestarmos atenção nas inspirações que pessoas pretas influenciadoras e ativistas exibiam todo dia na internet. Desde então, as prateleiras estão cada vez mais preenchidas com produtos que hidratam, modelam e até mesmo colorem os nossos crespos. Além disso, podemos nos divertir com várias fibras sintéticas para trançar o cabelo, com direito a tons coloridos, mechas e até uma versão arco-íris.

Diante de todas essas possibilidades, qual é o sentido de continuarmos aplicando produtos agressivos na cabeça das crianças pretas? As dores vão além de sentir a pele pegando fogo no momento da aplicação, da confusão mental que é só se sentir com um cabelo longo, brilhante e bonito embaixo d’água ou do incômodo de, no caso das pessoas com cabelo 4c, circular por aí com uma ‘denúncia’ de que, no fim das contas, o cabelo não ficou nem liso, nem com cachos espaçados.

Segundo levantamento feito pelo Dr. Fleury Johnson, que é médico formado pela UFRJ e tem uma carreira dedicada à saúde da população negra, o uso de relaxantes capilares pode trazer consequências como miomas uterinos, câncer de mama e até mesmo puberdade precoce nas pessoas negras do sexo feminino. Temos então, impactos biológicos que se combinam a um problema social já comprovado: a população enxerga meninas negras como menos inocentes tanto no viés da punição quanto no da sexualidade. Este último estudo, o da inocência, foi feito pela Georgetown Center on Poverty and Inequality (GCPI).

Apesar de todos esses estudos e a própria recomendação da Anvisa para que menores de 12 anos não passem por esses procedimentos, a oferta de relaxamento capilar para crianças é gigantesca! As redes sociais estão repletas de postagens de salões de beleza que exibem orgulhosamente o antes e depois, oferecem promoções para o público infantil e não economizam nas mentiras — há quem diga que a aplicação é indolor, “sem química” (um paradoxo) e não oferece prejuízos à saúde.

Oferecer às meninas pretas uma realidade em que seus cabelos são livres dentro ou fora d’água não é algo de outro mundo. Aqui está a nossa obrigação de zelar por uma infância que leve a futuros saudáveis.

 

 

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Brasil, o inferno dos negros https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/20/brasil-o-inferno-dos-negros/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/20/brasil-o-inferno-dos-negros/#respond Sat, 20 Nov 2021 20:15:14 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/inferno-300x215.jpg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=1020 Em uma tarde de sol em 2016, estava dando aula na comunidade de Mangueira, zona norte do Rio de Janeiro, quando um grupo de rapazes, todos pretos, entrou em sala querendo saber o que estava sendo ensinado ali.

“História da cultura negra” – respondi.

Os rapazes, com seus 17 a 20 anos, caíram na gargalhada.

“Aí, Pokemón! Esse curso é para você hein?”

Se referiam a um rapaz, mas retinto que os demais, que constrangido, não respondeu.

“Aí, Pokemón! Tem que chamar toda tua família, rapá!”, riam os rapazes, fazendo troça da cor da pele do mais retinto. O rapaz, então, respondeu.

“Ih, mas vocês são preto também, tá?”

A gargalhada foi geral. Os rapazes pretos respondiam: “Preto, eu?”, “Sou moreno, rapá!”, “Preto aqui só tem tu!”

A maioria dos rapazes tinham o cabelo descolorido. Um deles, sempre rindo, cravou.

“E eu sou moreno lorinho, rapá!”  – passou a mão no cabelo cortado muito rente. Cabelo que, se deixado crescer, revelaria um afro volumoso.

E foram embora, rindo, como se ali estivesse sendo dado aula de História da cultura marciana.

Jovens pretos praticando bully com jovem preto. O jovem preto, de apelido Pokemón, encarando tudo como uma ofensa, louco para negar o rótulo, mas sem poder, porque a pele absolutamente retinta o impedia.

Jovens pretos que não sabiam que eram pretos. Que não gostariam de ser pretos, porque pra eles, ser preto é defeito.

Jovem negros sem a consciência de que ser negro é qualidade.

Jovens negros sem a consciência de que são negros.

O racismo é o projeto mais bem executado pelo Brasil porque lobotomiza negros. Aliena gente preta de si mesma.

Nos retira a consciência de tudo.

Por isso, só a consciência negra pode nos salvar desse Brasil abjeto, covarde, horrível.

Uma nação horrível que se mantém justamente anulando consciências.

Podemos, um dia, ser um país digno, bom?

Sim.

Mas antes, é obrigatória a autocrítica.  É fundamental admitirmos que somos péssimos.

Chega de  mulato inzoneiro, de fontes murmurantes, de morena dos olhos d´agua, de mulatas assanhadas, dessa celebração de um Brasil que só existe na cabeça fetichista dos intelectuais que produzimos até aqui.

O Brasil não é um Pokémon sorridente de pele de cor amarela.

O Brasil é um inferno.

Pátria amada apenas por quem não tem consciência negra.

 

 

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Irrelevante e oportunista, ABL nada fez para merecer Gilberto Gil https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/11/irrelevante-e-oportunista-abl-nada-fez-para-merecer-gilberto-gil/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/11/irrelevante-e-oportunista-abl-nada-fez-para-merecer-gilberto-gil/#respond Fri, 12 Nov 2021 01:05:26 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/gil-valendo-300x215.jpg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=1012 Gilberto Gil foi eleito para vestir o fardão da Academia Brasileira de Letras.

A ABL, instituição que só é notícia quando há algum novo eleito. No resto do tempo, deu nenhuma contribuição factual, ou mesmo teórica, à cultura brasileira.

Antônio Maria, um dos maiores cronistas do Brasil escreveu, em meados dos anos 50, que se um raio fizesse todos os acadêmicos, menos Machado de Assis, desaparecessem, a cultura brasileira, a literatura inclusive, não notaria.

Ele exagera. Guimarães Rosa, terceiro ocupante de Cadeira 2, eleito em 1963, é um dos poucos que de fato é um dos constituintes de nossa cultura.

Mas a ABL não inspirou Rosa em seus escritos. Não incentivou Rosa em seus escritos.

A utilidade da Academia Brasileira de Letras é questionável. E, talvez, prejudicial para nossa literatura, pois ao eleger uns em detrimento a outros, mais escondeu grandes escritores e grandes obra brasileiras s do que consagrou.

Gilberto Gil, muitos outros muito menos cotados que ele para o fardão decorativo da ABL, fez mais por nossa cultura, e até pela cultura mundial do que os ilustres anônimos que formam a maioria de seus componentes.

No Rio de Janeiro, sede da ABL, acabou-se de terminar mais uma edição da FLUP, a Festa Literária das Periferias. Durante ela, tivemos competições de Slam Poetry, incluindo-se aí, o primeiro com poetas indígenas brasileiros. Eventos transmitidos pela Internet e vistos pelo público.

Podemos dizer que, se o Brasil, como nação, durar tanto quanto a China, que já tem seus 5 mil anos, podemos dizer que nossa cultura ainda está em uma incubadora. Ainda não nasceu de verdade. A carta de Pero Vaz Caminha foi escrita há pouco séculos. Nossa literatura nasceu ontem.

Entre o chamado período colonial, o romantismo, o realismo, o pré-modernismo, o modernismo e o pós modernismo, podemos dizer que tudo isso, no futuro, será chamado apenas de grande período colonial de nossa literatura.

É bastante provável que o século 21 marque o início da descolonização cultural do Brasil. Quando isso acontecer, Guimarães Rosa, Gilberto Gil, e gente hoje desconhecida, como os jovens poetas do Slam e nomes nunca contemplados pela ABL, sejam a verdadeira face de nossa cultura.

Talvez, no futuro, desintoxicados de nossa simplista concepção eurocêntrica de cultura, os brasileiros olhem para o passado e lembrem mais de Amarelo, de Emicida, do que de Ode ao Homem Natural, de Souza Caldas.

Talvez seja consenso o que muitos defendem: que em nossa cultura, o melhor de nossa literatura e filosofia está nas letras de nossas canções. Que nem estadunidenses conseguiram superar o Brasil em qualidade de letras de canções.

Até lá, talvez lembremos que letras de muitas canções brasileiras, como as de Gil, são mais sofisticadas que os tão respeitados koan japoneses.

Até lá, tentando não ser devorada pela tendência decolonial, espécie de tupinambá contemporâneo, a ABL, espécie de bispo Sardinha contemporâneo, tentará de tudo para não perder o privilégio de indicar o que é e o que não é merecedor de reconhecimento.

No futuro, entenderemos que ter sido eleito para Academia Brasileira de Letras foi o menor dos feitos de Gilberto Gil.

Que este sujeito já era imortal antes do convite.

Até lá, daremos os parabéns a Gil, e não o contrário.

Refazenda toda. Guariroba.

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Blues, samba e sofrência https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/blues-samba-e-sofrencia/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/10/blues-samba-e-sofrencia/#respond Wed, 10 Nov 2021 14:29:53 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/blues-300x215.jpeg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=1008 Nos EUA dos anos 1920, uma mulher independente, de personalidade forte, e hábitos considerados masculinos como beber em bar, era uma ofensa para a sociedade.

Se esta mulher fosse, além disso tudo, negra e bissexual, a chance dela sobreviver eram precárias.

Se além de mais isso, fosse cantora de blues e falasse sobre relacionamentos tóxicos com homens e emancipação da mulher, então pronto.

O que chamamos hoje de sofrência, já teve muitos nomes na história. O mais famoso deles, blues.

Bessie Smith e Ma Rainey, as duas pioneiras do blues, foram namoradas e cantaram suas vidas, suas potências, e se eternizaram.

Bessie foi interpretada em telefilme da HBO pela cantora Queen Latifah. Ma Rainey foi incorporada por Viola Davis em ‘A voz suprema do blues’, que concorreu ao Oscar esse ano.

Bessie já foi esfaqueada no palco pela Ku Klux Klan. Mulher forte, com a faca cravada nas costas, expulsou na base da pancada os supremacistas brancos do recinto e só depois foi hospitalizada.

Quando foi presa por dar uma festa considerada ‘obscena’, sua vivência e escuta com presidiárias, a fizeram compor o clássico ‘Sing sing prision blues’, que conta a história que mais ouviu na cadeia: a de uma mulher que, cansada de apanhar do marido, resolve matá-lo.

Suas vidas foram documentadas na primorosa mas pouco conhecida obra ´Blues Legacy and Black Feminism´ (Editora Vintage Books / Random House, 1989), escrito por Angela Davis mas não publicado no Brasil.

E no Brasil, a sofrência teve, primeiramente, o nome de samba. Se Dona Ivone Lara popularizou-se no país cantando as dores de seu relacionamento com o marido em versos como “Não me comove o pranto de quem é ruim / E assim quem sabe essa mágoa passando você venha se redimir dos erros que tanto insistiu por prazer / Pra vingar-se de mim / Diz que é carente de amor / Então você tem que mudar / Se precisar, pode me procurar.” Clementina de Jesus, de talento tardiamente descoberto, após os 60 anos, cantava letras que falavam de feminismo, sofrência e até economia, ambientalismo e intelectuais homens brancos brasileiros e seus disparates machistas.

“Vou vadiar, eu vou. Energia nuclear. O homem subiu à lua. É o que se ouve falar, mas a fome continua. / É o progresso, tia Clementina, trouxe tanta confusão. Um litro de gasolina por cem gramas de feijão. Cadê o cantar dos passarinhos. Ar puro não encontro mais não. É o preço que o progresso. Paga com a poluição. / O homem é civilizado / A sociedade é que faz sua imagem / Mas tem muito diplomado /Que é pior do que selvagem. / Por isso vou vadiar, vou vadiar, vou vadiar.”, cantava Clementina no século passado.

De tão moderna, parece até hoje à frente de seu tempo. O que as mulheres artistas fizeram, e continuam fazendo, por seu gênero é uma alegria que precisa ser frequentemente relembrada.

A vida das mulheres do blues, do samba, da sofrência, não precisam nos entristecer.  Elas precisam é ser celebradas.

Seu legado precisa é vadiar.

 

 

 

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Caminhamos para o fim da pandemia de Covid-19. E agora? https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/04/caminhamos-para-o-fim-da-pandemia-de-covid-19-e-agora/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/11/04/caminhamos-para-o-fim-da-pandemia-de-covid-19-e-agora/#respond Thu, 04 Nov 2021 10:53:11 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/capa-valendo-300x215.png https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=999 Segundo a coluna de Mônica Bergamo, a cidade de São Paulo registrou ontem, dia 3 de novembro de 2021, apenas uma morte por Covid.

Ontem, morreu mais gente em São Paulo por consequência do câncer, do que por Covid.

Ontem, morreu mais gente em São Paulo por acidentes no trânsito, do que por Covid.

Ontem, morreu mais gente em São Paulo por consequência de violência urbana, do que por Covid.

Ontem, morreu mais gente em São Paulo por doenças causadas por falta de saneamento básico e desnutrição, do que por Covid.

E agora? O que iremos fazer sem este vírus inimigo que a todos nos mobilizou?

Uma sugestão: passarmos a nos mobilizar coletivamente, com a mesma urgência, desespero, recursos e disciplina, pelas questões que matam tanto quando a Covid-19.

Passarmos a tratar a violência urbana, o racismo, a fome e a falta de saneamento básico como uma pandemia.

A maioria dos óbitos por Covid no Brasil foi de negros.

A mesma coisa para câncer, acidentes de trânsito, violência urbana, falta de saneamento básico. e desnutrição.

Porque tudo o que mata, no Brasil, mata mais gente preta.

E talvez aí esteja a maior e mais antiga pandemia da qual sofremos.

Que não é tratada com urgência, desespero, recursos, mobilização coletiva e disciplina.

Um mundo pós-pandemia, com pessoas usando máscaras de acordo com sua consciência, como há décadas no Japão, e preparado para outros surtos virais globalizados, vem aí.

Mas esse mundo, como o antigo, antes da Covid-19, não tratará do que mata gente preta no Brasil.

Em 20 de junho de 2021, quando contabilizou-se 500.000 mortos por Covid, a Folha publicou, em uma capa comovente e histórica, uma primeira página praticamente em branco, com a seguinte frase, em maiúsculas.

‘Vamos morrer até quando?’

Isto posto, cabem perguntas.

Gente preta está incluída neste ‘vamos’?

Se gente preta estiver incluída, teremos uma outra capa com os mesmos dizeres quando chegarmos à marca de milhão de mortos por violência policial no século 21, mortes via de regra vinculada a racismo, esta pandemia?

Negar os mortos desta pandemia chamada racismo faz de nós negacionistas?

Será de fato um novo mundo, este que se informalmente já se anuncia?

Ou será um novo mundo pra uns, e o velho mundo de sempre para outros?

Pela vida de quais seres humanos estamos dispostos a nos mobilizar?

E quais estamos dispostos a ignorar?

O que aprendemos a tragédia que vivemos?

Perguntas que cabem, respostas descabidas.

Neste novo mundo, poderemos estar desinfetados.

Mas seguiremos doentes.

 

 

 

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Amor https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/10/24/amor/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/10/24/amor/#respond Sun, 24 Oct 2021 09:51:19 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/quadro-negro-amor-300x215.jpg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=989 Se você veio parar neste texto por ter clicado em um link cujo título é ‘Amor’ , parabéns.

Os algoritmos têm privilegiado conteúdos que nos façam sentir o contrário de amor.

Este texto, inclusive, teria, claro, mais visualizações se seu título tivesse sido ‘Ódio’.

Não que as pessoas não queiram sentir amor. Elas querem, e inclusive exercem amor quando clicam no link de um texto chamado ‘Ódio’.

Uns amam odiar Bolsonaro. Outros, amam odiar Lula. Outros, amam odiar a terceira via.

Uns amam Caetano, mesmo odiando quando ele, pela enésima vez, vem com o discurso de Princesa Isabel isso, Princesa Isabel aquilo, insistindo em um Brasil-Nárnia, sem a coragem quem têm as novas gerações de enfrentar os Brasis reais, como em seu mais recente, e mais Enzo-PSDBlístico, álbum.

Uns amam a o movimento tropicalista, mesmo odiando o fato dele ter sido, e ter defendido as ideias de uma classe média branca de centro-esquerda, conciliadora no fundo excludente, que deixou de fora, na época, por exemplo a gente preta do samba.

Uns amam Dennis Villeneuve, mesmo odiando como seu mais recente filme, Duna, é mal filmado de um jeito que deixa o editor em sérios apuros, e careta.

Uns amam odiar tudo. Outros, amam odiar os que odeiam tudo.

Uns amam odiar quem não exerce um planar indiferente e isentos. Outros, amam odiar os isentos.

Tudo o que fazemos é por amor.  É a única coisa que temos todos em comum. Em sincronia. Algo ritmo.

Algoritmos não são novidade.  Vêm do tempo das cavernas. O espanhol Pedro Almodóvar estava errado quando disse, em agosto, que os algoritmos não são humanos. Estava ele amando odiar a censura que o Instagram fez ao cartaz de seu mais recente filme, ‘Madres Paralelas’, que ilustra este texto chamado amor.

O amor, esse algoritmo.

O algoritmo eletrônico, responsável pelo que vemos e não vemos nas redes sociais, é uma versão virtual do que se passa em uma aldeia Dogon, no Mali, ou o que acontecia na rotina de um dia de semana qualquer de uma cidade na antiga Mesopotâmia.

O mundo nunca se apresenta a nós inteiramente. O que nos é mostrado, sempre segue um projeto de sociedade.

Se dá mais lucro termos uma sociedade que movimenta muito dinheiro com a tentativa das pessoas em encaixar-se num único padrão de beleza, o algoritmo vai nos lotar de imagens de pessoas magras, de cabelo xis, cor da pele xis.

E esse padrão de beleza vai obedecer o padrão físico hegemônico dos lugares onde mais circula dinheiro. Por isso o padrão de beleza ainda segue eurocêntrico, com China começando a concorrer.

Embora chineses amem parecer ocidentais.

Como o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo (negro que negros amam odiar), que ama parecer branco.

É assim com as redes sociais, sempre foi assim com as capas de revistas do século 20. Pessoas de um certo tipo físico e intelectual em suas capas para nos fazer gastar dinheiro para ser como elas.

A maioria dos negros ama odiar o racismo. Mas, em uma abordagem afroperspectivista, o amor, essa palavra, não existe.  É um signo quem não comporta a complexidade da afetividade humana.

Mais sofisticadas, as culturas do continente africano não ousam dar nome ao que nós, aqui dessa cultura fast-food-fast-thinking demos o nome, por questões mercantilistas, de amor.

Seguimos, aqui, nesse oeste do mundo, nesse lugar intelectual tão distópico chamado de civilização, sem outra alternativa senão amar.

Mesmo odiando.

 

 

 

 

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The Velvet Underground reduzido a ruído branco https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/the-velvet-underground-reduzido-a-ruido-branco/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/10/16/the-velvet-underground-reduzido-a-ruido-branco/#respond Sat, 16 Oct 2021 12:45:09 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/velvet-300x215.jpeg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=981 “Improvisação é um jeito de lidar com o medo do amanhã.” – A frase dita por John Cale, músico vanguardista branco, fundador da banda novaiorquina The Velvet Underground, é repetição de frase similar, dita uma década antes, pelo músico negro Charlie Parker, um dos fundadores do Jazz Bebop.

The Velvet Underground, o documentário que estreou na Apple TV+ com direção do americano Todd Haynes, tem o mesmo defeito que o também aguardado filme sobre os Beastie Boys, dirigido pelo também estadunidense Spike Jonze: Falta-lhes o sangue preto que corria em sua veias.

Os aspectos da cultura negra são o que há de visceral na arte, logo na música, logo no rock and roll, logo em bandas como Rolling Stones, Led Zeppelin, Beastie Boys e The Velvet Underground.

Os primeiros 25 minutos do documentário de Haynes tem vigor, muito pela sacada que o diretor teve em emular o estilo do artista Jonas Mekas, o fundador do cinema de vanguarda americano, que iria ser influência para toda a cena alternativa novaiorquina na qual o The Velvet Underground seria formado. O filme é dedicado Mekas, morto em 2019, aos 96 anos.

Brilha também, neste primeiro quarto, John Cale, quando fala sobre o significado do drone, do white noise, do que em engenharia de som chama-se ruído branco, para a banda e para os tempos. Era o barulho das grandes metrópoles do pós-guerra, uma terapia neuro-musical onde muitos tons são sobrepostos de forma simultânea, como faz a música tribal do continente africano há milhares de anos, como fazia o jazz bepob dez anos antes.

O pecado a partir do que vem depois é tentar manter o documentário democrático e não concentrar-se na história que interessa. A do líder da banda, Lou Reed, poeta epilético, gay, casado com um travesti, afundado em heroína. Nada ou quase nada disto está no filme. A historia do The Velvet Underground é cheia de sujeira, sordidez, miséria, sangue, blues, cultura negra e desatinos. Uma história profundamente humana. Sem isso, sobrou apenas o ruído branco.

Como no documentário dos Beastie Boys, parece haver uma interferência do estúdio para que documentários sejam feitos para quem não conhece nada do objeto documentado. Em ambo os casos, quem é minimamente iniciado, se entedia rápido, e rapidamente a sensação é de estar assistindo a um video qualquer no Youtube como os muitos que existem sobre a banda.

É como assistir e ver ao The Velvet Underground de banho tomado. Mais especificamente white washed. Nos últimos dez minutos um slideshow de escola secudária faz um dos… 4 finais que fazem você sentir-se um Faria Limer. Eu não sou faria limer. Sou fã do Velvet.

E fã de bandas que ganharam documentários realmente vigorosos, como Stooges por Jim Jarmush, ou Blank City, sobre a turma de Lydia Lunch, DNA e Talking Heads, de Celine Danhier . O Velvet Underground de Todd Haynes é só mais um filme que não tem coragem de usar a canção Venus in furs do jeito que deveria ser usada: na íntegra, sem cortes. Quem chegou mais perto disso foi Gus Van Sant, em Last Days, sua biografia fictícia sobre os últimos dias de Kurt Cobain.

A foto que ilustra este texto é da cópia que tenho do primeiro LP do The Velvet Underground, banda mãe de todas citadas acima. Encontrei Lou Reed em SP, quando o artista veio ao Brasil em 210. Ele recebeu 250 pessoas para autografar o livro Atravessar o fogo, que reúne em português 310 de suas letras.

Estava de mau humor. Tratou a todos como lixo. Quando chegou minha vez, perguntou: “Mas nenhum negro nesta cidade”, olhando para a fila de fãs indies com certo ódio. Reed é visceral. Não estava topando autografar LPs. Sabia que eles passariam a valer, depois de sua morte, dezenas de milhares de dólares. Mas para mim, disse: “Só porque você é a única pessoa não branca nesta maldita fila.” – grunhiu.

Fico imaginando que som ele faria se vivo estivesse para ver The Velvet Underground – o documentário.

 

 

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Comentarista da Jovem Pan chama entidade da Umbanda de ‘demônio’ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/comentarista-da-jovem-pan-chama-entidade-da-umbanda-de-demonio/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/10/13/comentarista-da-jovem-pan-chama-entidade-da-umbanda-de-demonio/#respond Wed, 13 Oct 2021 13:05:40 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/livros-sobre-exu-300x215.jpeg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=973 “É isso mesmo. Este senador Davi Alcolumbre está mais para Tranca Rua, aquele demônio pra quais são feitas oferendas para trancar a rua, trancar caminhos!”, disse na edição de terça-feira, 12 de outubro, o comentarista José Carlos Bernardi, do programa Os Pingos nos Is, veiculado pela rádio Jovem Pan.

Diz o artigo 208 do Código penal, sobre o crime de sentimento religioso:

Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso.

Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Aqui mesmo, na Folha, o debate sobre os limites da liberdade de expressão e crime foram pauta acalorada na semana passada.

E venceu a afirmação óbvia. Liberdade de imprensa não é liberdade para mentir. Liberdade de opinião não é liberdade para mentir.

No caso do comentário a respeito da entidade Exu Tranca Rua, há o agravante profissional. Trata-se de uma empresa de comunicação e de um programa que tem como obrigação divulgar e promover a verdade.

Exu Tranca Rua não é um demônio. Pelo contrário. É, para os seguidores da religião umbandista, de matriz africana, uma divindade que abre e limpa caminhos. Mas criou-se, séculos atrás, essa mentira.

Enfim, o colonialismo.

O comentarista da Jovem Pan é o que chamamos de “evangélico avulso”. De tímida formação acadêmica, de vocabulário errático e pouco conhecimento sobre a Bíblia cristã (citou na mesma fala sobre Exu, provérbios 15 , versículo 1 fora de contexto, como se só tivesse lido o livro que segue, nunca estudado). No UOL, temos a erudição do colunista Ronilso Pacheco, evangélico que nos ilumina quando acaba sendo chamado a falar sobre os seguidores de sua religião que pregam exatamente o oposto do que ela profere.

Em 1995, o bispo Sérgio von Helder desferiu chutes e socos na imagem de Nossa Senhora Aparecida. “O maior erro da história da Igreja Universal do Reino de Deus”, afirmou seu líder, Bispo Edir Macedo, em sua biografia autorizada. A ofensa a católicos foi tão grande que Macedo teve que vir a público pedir desculpas e von Hélder deixar o país.

Chamar a entidade Tranca Rua de demônio é uma ofensa similar a seguidores de religiões de matriz africana.

O jornalismo populista do programa Os Pingos nos Is, com um elenco exótico de gente que parece que está ali para dizer o quer ouvir seu espectador, que durante as lives no Youtube transforma o setor de comentários uma espécie de umbral de almas atormentadas e raivosas que mais parecem uma turba de terraplanistas urrando por Barrabás. O amor e a verdade passam longe dali.

O Deus cristão, e/ou o Deus evangélico, deve acompanhar a tudo com horror. Mas certamente sem surpresa.

Ofensas religiosas acontecem de todos os lados, em todos os lados do mundo. Minto. Não há notícia de nenhuma religião de matriz africana, ou indígena que pratique ofensa religiosa.

Enfim, o colonialismo.

Já uma ofensa contra estas religiões significa mais porque espaços sagrados para elas vêm sendo sistemática e violentamente destruídas à força em nosso país. Quando um evangélico do tipo de José Carlos Bernardi chuta uma santa, é crime, mas igrejas não serão destruídas nem católicos mortos por isso. Já terreiros, mães, pais e filhos de santo são o maior alvo de assassinatos por motivos religiosos no Brasil, segundo o CCIR (comissão de combate a Intolerância Religiosa do Estado do Rio de Janeiro).

O que fazemos? Exigimos melhor formação de nossos comunicadores? Que estudem mais?
Exigir o básico, que é não divulgar mentiras, já não mais adianta.

A ignorância dos que têm tido o poder de falar com as massas é global, e parte de um pressuposto de que para falar com as massas é obrigatório ser ignorante.

O mundo foi pego de surpresa (não esta coluna), quando o fenomenal Abdulrazak Gurnah, escritor negro da Tanzânia, ganhou o Nobel de Literatura. Nunca havia sido publicado no Brasil. Dentro das editoras, pressupõe-se haver os profissionais preparados e sempre antenados com a literatura produzida fora do eixo estadunidense-europeu.

Enfim, o colonialismo.

Uma frase de um texto da literatura anticolonial do próprio Abdulrazak, talvez explique melhor.

Escreveu ele, em “By the Sea”, livro publicado pela editora Bloomsbury Publishing, em 2001.

“Às vezes eu penso ser meu destino viver nos destroços e tumultos das casas desmoronando.”

Enfim, o colonialismo.

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O tiro branco no pé preto do jornalismo https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/o-tiro-branco-no-pe-preto-do-jornalismo/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/o-tiro-branco-no-pe-preto-do-jornalismo/#respond Thu, 30 Sep 2021 17:22:44 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/folha-impressa-300x215.png https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=966 Estamos vivendo uma época em que se nega a ciência e se tenta convencer de que injetar ozônio no ânus de uma pessoa irá fazer bem a ela.

Aqui, no Quadro-negro, minha função é escrever textos e convidar gente preta para escrever. Daqui, já saíram colunistas para o UOL e a Folha.

Gente séria. Cientistas.

Desde que a Folha chamou para o seu time de colunistas o jornalista Leandro Narloch, tive dificuldades em convencer cientistas a escreverem para o jornal.

Narloch, dentro da academia, especialmente no ambiente da História, é tido como inimigo da ciência. Os livros que os tornaram célebre, como os Guias Politicamente incorretos são, segundo a ciência, repletos de inverdades e invenções.

De fato, Narloch vendeu-se como uma espécie de sujeito que tem uma pretensa coragem de contar para o leitor o que segundo ele os livros de história e, especialmente, a imprensa não contou.

Ao surgir no mercado editorial como alternativa ao que diz a imprensa, supostamente, segundo o que dizem seus livros, rendida à ditadura do politicamente correto, Narloch turbinou, na década passada, o ódio que hoje alimenta terraplanistas, supremacistas e defensores do tratamento de ozônio via retal para pacientes com Covid-19.

Dos colaboradores do Quadro-negro, dois pediram a retirada de seus textos publicados na Folha. Um deles me acusou de ser um negro que utiliza negros para chancelar um projeto de jornalismo que, para manter-se elitista, traveste-se de plural.

Há, nos movimentos negros, a discussão a respeito da recente onda de diversidade nos meios de comunicação. Há a tese de que negros são usados para confirmar espécie de selo antirracista a instituições que, na prática, não irão deixar de exercer o discurso que sempre exerceram.

Tudo isso e o artigo do colunista Narloch (demitido da CNN Brasil em 2020 acusado de comentário homofóbico ao vivo) que trata de questões do período de escravidão no Brasil ainda não havia sido escrito e publicado pela Folha.

Mas a hora haveria de chegar. Negros são alvos fáceis. Você nunca verá gente como Narloch ou Olavo de Carvalho publicando uma obra chamada Guia Politicamente Incorreto da História… da etnia dos donos de editora que publicam seus livros.

Seu artigo, escrito sem suor e publicado quarta-feira, 29 de setembro, intitulado “Luxo e riqueza das ´sinhás pretas´ precisam inspirar o movimento negro”, se levado à sério, como a defesa do tratamento preventivo contra a Covid-1 e da eficácia da cloroquina, danifica o trabalho árduo de cientistas como Sueli Carneiro e Djamila Ribeiro.

Sua obra, que se beneficia, há anos, da popularidade das fake news, desfaz do trabalho de todos, de todas as cores de pele, que labutam no jornalismo enquanto ciência da comunicação.

Ela estar neste momento sendo publicada por um jornal é curioso.

Mas estamos vivendo uma época em que se nega a ciência e se tenta convencer de que injetar ozônio no ânus de uma pessoa irá fazer bem a ela.

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Antropóloga escreve sobre masculinidades negras e a importância da série Insecure https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/antropologa-escreve-sobre-masculinidades-negras-e-a-importancia-da-serie-insecure/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/09/28/antropologa-escreve-sobre-masculinidades-negras-e-a-importancia-da-serie-insecure/#respond Tue, 28 Sep 2021 15:48:52 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/thuani-2-300x215.jpg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=960 Expulso do reality show A Fazenda por grave violação de regras, o MC Nego do Borel mais uma vez galvanizou certa discussão, nas redes, entre os movimentos negros, à respeito de nossas masculinidades. Diversa da masculinidade branca e, principalmente, invibilizada, o que caracteriza masculinidade negra segue, para o mundo externo, algo não caracterizado. Antropóloga da UFF (Universidade Federal Fluminense), Thuani Cout viu na série Insecure, cuja trama segue Issa, jovem negra talentosa que após um relacionamento frustrado com um homem negro, sai em busca de si própria, sua voz e sua beleza. Solteira, ela irá conhecer outras masculinidades negras. E, segundo a antropóloga, deparar-se com as fragilidades destas masculidades. Sucesso de público e crítica, Insecure trouxe para o mundo pop questões como essa, que Thuani Cout observa em texto para o Quadro-negro.

 

Insecure e a visibilidade das masculinidades negras – Por Thuani Cout

Vulnerabilidade não é algo pejorativo: Essa é uma das fortes características da série Insecure, comédia dramática da HBO Max, que mostra masculinidades negras no auge de sua transparência. Mostrando situações reais em que homens sofrem, não só pelas consequências dos seus atos, mas também, por amor, saúde mental, oportunidades e violências.

Se levarmos em consideração a definição de masculinidade dada pelo antropólogo Michael Kimmel, que define a(s) masculinidade(s) como um conjunto de significados e comportamentos fluidos e em constante mudança, compreendemos que o “ser homem” pode se dar de várias maneiras, e em um processo de constante transformação.

Com isto, faz-se necessário que homens atualizem e reforcem constantemente suas masculinidades, e isto é feito ao interagir com outras pessoas, principalmente com outros homens. Se mostrar confiante, bem relacionado, viril, bem sucedido, tal como mostrar elementos opostos a estes, que podem ser considerados negativos, organiza, e hierarquiza, as diferentes pessoas e as diferentes formas de ser homem na sociedade.

Ora, se as próprias dinâmicas das sociedades ocidentais não nos deixam esquecer que a organização social se faz a partir de um sistema patriarcal, Insecure é um daqueles materiais que nos leva a um lugar crítico de observação sobre como diferentes homens acabam presos e prejudicados dentro de um sistema de relações onde eles, supostamente, e geralmente, têm o controle. Evidenciando, ainda, as diferentes perspectivas sobre o que e como é ser homem e negro em diferentes espaços e grupos sociais.

Ou seja, a série não coloca as masculinidades pretas como uma coisa só. Ela é rica em nos mostrar a multiplicidade do que é ser homem, e do que é ser preto. Transmite, por várias vezes, e com sensibilidade, o que é estar num corpo preto masculino.

Assuntos pertinentes e tabus como autoestima, saúde mental e expressão das emoções dos homens são tratadas na série com delicadeza, respeito e afeto, mostrando que, independente de, como homens, transitarem com mais flexibilidade que a mulher negra em uma cultura patriarcal (a série se passa em Los Angeles, EUA), ainda assim, ter uma masculinidade preta, e expressá-la da forma que for, cobra o seu preço.

Por estas e outras discussões ricas possíveis, acompanhar a série, atentando-se pros mais ricos elementos de valorização e afeto às masculinidades e feminilidades pretas, é definitivamente educativo. A 5ª e última temporada estreia na HBO Max no dia 24 de outubro de 2021, dá tempo de maratonar, e no final conferir afinal como histórias terminam.

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