Quadro-negro https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira Fri, 26 Nov 2021 18:56:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nada foi mais relevante em outubro do que Angela Davis no Brasil https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2019/10/24/nada-foi-mais-relevante-em-outubro-do-que-angela-davis-no-brasil/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2019/10/24/nada-foi-mais-relevante-em-outubro-do-que-angela-davis-no-brasil/#respond Thu, 24 Oct 2019 17:17:07 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/angela-davis-300x215.jpg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=69 Algo verdadeiramente revolucionário aconteceu na América Latina neste outubro. E não foi no Chile ou no Equador. Foi no Brasil. A passagem de Angela Davis por São Paulo e Rio de Janeiro.

Em São Paulo, uma multidão de 15 mil pessoas reuniu-se para ouví-la ao ar livre, no Parque Ibirapuera. No Rio, o histórico Cine Odeon ficou pequeno e outras tantas milhares de pessoas assistiram sua fala pelo telão, espalhadas pela Cinelândia, tradicional lugar de manifestações revolucionárias da cidade.

Teve gente abraçada chorando só de vê-la subir ao palco. Teve quem tenha viajado quase mil quilômetros para ouví-la. Teve quem esticou braço pro alto no meio de multidão para pedir autógrafo. Quem se tremeu todo ao abraçá-la.

Culto que costuma-se dar a popstars. (Rótulo que Angela se recusa a aceitar, como disse à Folha). Algo que não havia acontecido antes.

Primeiro, porque nunca havíamos dispensado, em volume e qualidade de gente, atenção parecida a alguém que escreve livros acadêmicos.

Nem a quem fala em “descolonização das Américas”, ou “ser racista não é o bastante. É necessário ser anti-racista”, ou “Os Orixás que nos guiem”.

E, muito menos, a uma mulher negra, comunista e lésbica.

Angela Davis é tudo isso. Embora, acertadamente, faça questão de reconhecer-se produto de todas as que lhe antecederam, inclusive militantes negras brasileiras, irmãs na frase/conceito “a liberdade é uma luta constante”, que tanto a americana enfatiza em suas falas.

Inédito e definitivo. Mortes no Chile pela truculência das forças armadas, desgraçadamente já ocorreram antes. Campesinos humildes ameaçando parar o país por conta da desigualdade social, como no Equador, também. Nossas tragédias perenes, que de tempos em tempos voltam à curva aguda de seus ciclos.

Aqui mesmo, no Brasil, nossos mortos por violência de forças policiais superam inclusive a dos países supracitados. Só não temos coragem de chamar a coisa pelo nome: necropolítica.

Muito se fala desta onda revolucionária que em outubro sacudiu os quatro cantos. Muito se fala da apatia dos brasileiros. O que tem nosso povo que, quando vai às ruas, não revoluciona as coisas de fato?

Simples. A indisposição de colocar as questões dos negros, metade de nossa população, em sua agenda revolucionária. É por isso que nossas revoluções são mancas. Porque já nascem excludentes.

Nada que não inclua o negro, e principalmente a mulher negra, nada que não leve em conta que nosso país foi forjado no maior porto escravagista de toda a história da humanidade, o Cais do Valongo, terá impacto verdadeiro, estrutural.

Mas há algo revolucionário acontecendo no Brasil. De construção em construção, uma linhagem ancestral de mulheres negras pavimentou caminho para que algo novo pudesse acontecer. Algo abaixo do radar, porque nossa sociedade funciona tornando invisível tudo o que vem de suas pretas.

Vejam o que está neste momento em destaque nas redes sociais. Assuntos “de homem”. Futebol, política e religião “de homem”.

Mas agora, a mulher negra fala. Angela Davis veio falou, escutou, interagiu e certamente aprendeu com as brasileiras, todas energizadas pelo espelhamento com a ativista americana.

Como dizia um dos slogans de campanha de Marielle Franco, outra lembrada em todos os eventos de Angela Davis no país: “Eu sou porque nós somos.”

Revolução é fazer algo diferente. Se nas próximas eleições todos os brasileiros experimentassem votar em mulheres negras, sejam elas de esquerda ou direita, avançaríamos duzentos anos.

Ou melhor, recuperaríamos 200 anos. A mulher preta não quer nada que não seja igualdade para seguir junto com o branco. E não 200 anos atrás dele.

A mulher preta só quer para ela a mesma dignidade que é dada ao outro. Harmonia, essa revolução.

Como a frase repetida como um mantra por Angela Davis e sua passagem pelo Brasil: “A democracia que exclui o povo negro não é uma democracia verdadeira.”

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