Quadro-negro https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira Fri, 26 Nov 2021 18:56:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Professor, preto, vacinado e deprimido https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/05/26/professor-preto-vacinado-e-deprimido/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2021/05/26/professor-preto-vacinado-e-deprimido/#respond Wed, 26 May 2021 08:06:46 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/dodo-vacina-valendo-300x215.jpeg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=827 No Brasil, ou em todos os países que escravizaram africanos, a experiência de ser preto é pessoal e intransferível.

Porém, a algo comum a todos. O que nossa sociedade nos diz o tempo inteiro, como coletivo, é que somos uma espécie de “doença”, da qual o Brasil padece.

Crime tão grotesco quanto escravizar nossos ancestrais é, até hoje, tentar nos convencer de que o Brasil estaria melhor sem nós, esse vírus.

A primeira pessoa a morrer de Covid-19 no Brasil foi uma negra. Cleonice Gonçalves contraiu a doença de sua patroa, branca e rica, que voltava de uma viagem à Itália.

O Brasil pode ter fracassado em combater o vírus da Covid-19. Mas venceu em combater os descendentes dos escravizados que foram trazidos da África.

O IBGE informa que morrem 40% mais negros que brancos por coronavírus no Brasil. Que a chance de um negro morrer por coronavírus é 38% maior do que a de um branco.

“É um vírus que não escolhe cor nem raça nem classe social”, tenta-se estabelecer esta falácia.

A experiência de ser preto é impessoal e intransferível. Por isso, peço licença para agora alternar a narração deste texto para a primeira pessoa.

Nesta terça (25) chegou o dia de vacinar-me pelo SUS. Contemplou-se ontem professores da rede pública e privada do município do Rio de Janeiro. No posto de saúde, aos pés de uma favela, apenas brancos atendiam brancos. Não aparento a idade que tenho. “Você veio aqui…”, todos perguntavam, perplexos. Quando eu me identifiquei como professor, a perplexidade aumentou. Segundo o IBGE, apenas 16% dos professores no país são negros.

O Brasil pode ter fracassado em combater o vírus da Covid-19. Mas venceu em combater os descendentes dos escravizados que foram trazidos da África.

Na minha frente, as pessoas na fila, todas brancas, maioria de idosos, saía da sala com um semblante leve, renovado. Afinal, chegava ali, teoricamente, o fim de mais de um ano de medo de contrair a Covid-19 e morrer. As vacinas são, nesse caso, tanto contra o coronavírus quanto são vacinas contra o medo.

Para negros, o Brasil ainda não desenvolveu o vírus contra o medo da morte. Podemos morrer, e morremos, de tudo. Da ausência de direitos básicos como educação. Da abundância de violências contra nossos corpos.

Por isso, quando a enfermeira me espetou a agulha, só pude pensar na família de Joseph Laroche.

Joseph Laroche era o único negro a bordo do Titanic. Casado com uma branca que viajava com suas duas filhas nascidas do casamento anterior, com um branco. Sua esposa estava grávida de um filho seu. Na tenebrosa noite de 15 de abril de 1912, esposa e filhas foram embarcadas em botes salva-vidas. Sobreviveram. Joseph, não.

Até hoje, os descendentes de Laroche não comemoram o fato de seus antepassados terem sobrevivido ao naufrágio do Titanic . Pelo contrário. Choram a morte das 1.500 pessoas, os brancos e o preto, que morreram por negligência dos comandantes do navio.

Ao ser vacinado, não houve o que comemorar: eu estava sendo resgatado deste grande Titanic em que o governo transformou nosso país, esse navio sem comandantes.

Só pude chorar a morte dos brasileiros, pretos e brancos, que não puderam receber a vacina a tempo.

Só pude chorar nosso naufrágio.

Fui ao posto de saúde com a camiseta da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, a qual pertenço, onde a bandeira desse Brasil que mata por negligência verde-e-amarela-ordem-e-progresso foi substituída por uma cor de rosa onde se lê, “índios, pretos e pobres”.

À noite, chega a notícia de que um dos baluartes da escola, Nelson Sargento, aos 96 anos, foi internado em estado grave com a doença. Chorei mais.

No fim dos anos 90, apareceu em meu apartamento e se apresentou como pintor de parede. Era um bico. Chocado, pedi para não pintar nada. Paguei o combinado, dei meu violão na sua mão, e pintei eu mesmo o apartamento, enquanto ele tocava o instrumento. Foi uma das grandes honras de minha vida, trabalhar ao som de um dos maiores mestres de nossa cultura.

Honras de minha vida, mestres de nossa cultura. Nossa, minha. A experiência de ser negro no Brasil é pessoal e intransferível.

Mas a consequência é coletiva.

 

 

 

 

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Personalidades negras divulgam manifesto de repúdio à violência policial https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2019/12/03/personalidades-negras-divulgam-manifesto-de-repudio-a-violencia-policial/ https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/2019/12/03/personalidades-negras-divulgam-manifesto-de-repudio-a-violencia-policial/#respond Tue, 03 Dec 2019 17:25:08 +0000 https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/manifesto-300x215.jpg https://quadronegro.blogfolha.uol.com.br/?p=207 No Brasil distópico de 2019, produzir e assinar um manifesto é um ato de coragem. Ano passado, artistas assinaram um pela democracia. Até hoje seus nomes circulam em listas compartilhadas clandestinamente por milícias mafiosas de direita. Mas, na ponta desta violência, sempre estiveram negros. E se é perigoso exigir justiça hoje no Brasil, mais perigoso é calar. Por isso, um grupo de personalidades brasileiras negras resolveu produzir e assinar um manifesto contra o extermínio sistemático de uma raça.

Manifesto pelo fim da política de extermínio do povo negro

cada 23 minutos morre um jovem preto no Brasil. Há um projeto cruel de sociedade que, todos os dias, promove essas mortes.

O que explica uma polícia militar que mata mais que forças de países em guerra? Sempre pessoas pretas na mira. E o que autoriza esses crimes, se não o racismo?

Estamos vivendo numa sociedade, atormentada pela crescente desigualdade, militarização, inimizade e terror, que vem assistindo o ressurgimento de racistas, fascistas e forças nacionalistas determinadas a excluir e a matar. As recentes mudanças políticas que nosso sociedade atravessa ajudaram a esvaziar os debates democráticos, deturpando valores, direitos e liberdades, que eram antes um ideal a ser conquistado. Como resultado, a guerra diária: – 111 tiros em um carro com 5 jovens que comemoravam o primeiro salário. – 89 tiros contra uma família que passeava numa tarde de domingo. – Um jovem espancado, morto e com o corpo descartado feito lixo, pela polícia. – 9 jovens mortos pisoteados após ação da polícia em Paraisópolis.

Nós estamos cansados e cansadas desses números.

O governo brasileiro deve reconhecer o fracasso da política de segurança pública vigente e propor, junto à sociedade, um novo modelo, que proteja as vidas e não gere medo e mortes para o povo preto.

Precisamos colocar em pauta a desmilitarização da polícia brasileira e discutir amplamente com a sociedade civil.

Exigimos o fim da política de extermínio.

Interrompe-la deve ser prioridade de todas as frentes de lutas.

Assinam:

Ad Junior

Adalberto Neto

Alan Miranda

Aldri Anunciação

Alessandra Costa

Aline Moreira

André Santana

Ângelo Flávio Zuhalê

Anna Paula Black

Ariane Barreto

Arismar Adoté Jr

Atila Barros

Bruno Almeida

Cacau Protasio

Caio Roberto Cortez

Camila Silva

Carmem Virginia

Carolina Magalhães

Carolina Pinho

Caroline Moreira

Catarina Abdalla

César Melo

Dan Xeidiarte

Dandara Lucas Pinho

Daniel Ramos

Daniela Luciana

Domenica Dias

Drayson Menezzes

Eddie Coelho

Egnalda Côrtes

Eliane Dias

Érica Ribeiro

Fabiana Mascarenhas

Fabiano Maranhão

Fábio de Santana

Fábio França

Fabricio Santiago

Felipe Velozo

Franco Adailton

Fred Nicácio

Gabriela Ramos

Heraldo De Deus

Ilka Danusa

Jaciana Melquiades

Jeniffer do Nascimento

Jorge Gauthier

Jorge Washington

Juju Denden

Lázaro Erê

Leandro Leal

Leandro SantosSantos

Leco Lisboa

Leonardo Souza

Lili Almeida

Luana Fernanda Lima

Luana Xavier

Lugana Olaiá

Magali Moraes

Maíra Azevedo – Tia Má

Maitê Freitas

Márcia Ferreira

Márcia Short

Marli Mateus

Midiã Noelle

Monique Evelle

Naiara Leite

Najara Black

Orlando Caldeira

Patrícia Rammos

Patrícia Santos

Paulo Rogério Nunes

Preta Rara

Raoni Oliveira

Renan Motta

Ridson Reis

Robson Rodriguez

Rodrigo França

Roger Cipó

Samuel Gomes

Sueide Kintê

Sulivã Bispo

Taiguara Nazareth

Tairine Ceuta

Tati Sacramento

Tatiana Tiburcio

Telma Souza

Thais Zimbwe

Thiago Almasy

Thiago Thomé

Vilma Reis

Wesley Guimarães

Yuri Silva

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